Chegou a casa dos pais. Como estaria a sua mãe? Ia sabendo pelo telefone mas queria vê-la, tinha de vê-la. É diferente ver, estar, olhar do que apenas ouvir via aparelho electrónico. E sabia que ela queria sempre vê-lo. Quando não estava completamente exausta, por causa dos medicamentos, os olhos brilhavam quando o viam. Enchia-o de beijos.
Lá estava ela. Vá lá, veio ter com ele à porta, não estava sentada no sofá e muito menos deitada na cama, no quarto totalmente escuro sob o efeito de químicos que, supostamente, lhe fazem o cérebro descansar.
A mãe, a sua mãe querida que, desde há anos, o fazia sentir que merecia uma estátua. Sempre viveu em função dos outros. Cuidou dos filhos, depois do pai, depois da mãe, depois da tia, depois da sogra... até não aguentar mais e atingir o ponto limite. Aquilo a que o médico denominou de esgotamento profundo e altamente grave. Segundo ele “se a senhora se não viesse logo, passava-se para o outro lado.”
E ele tinha presenciado isso. Ela não falava, não conseguia abrir os olhos, não reconhecia a voz dos filhos. Estava melhor, bem melhor mas ainda longe de estar bem, muito longe. Quando se sentia melhor deixava os medicamentos e voltava ao mesmo. E assim tem sido desde há uns anos.
Ali estava ela. Ela que sempre teve uma pele de bebé, que sempre pareceu mais nova do que o era na realidade, apesar da muito descuidada imagem, a imagem de quem se dedica somente aos outros, agora, em meses, tinha ficado velha. Uma pele estragada, repleta de rugas num corpo que, desde o nascimento dele, nunca fora magro. Agora era-o. Mas aquela magreza de quem está doente.
O pai estava deitado. Sempre foi um trabalhador do duro, dos trabalhos duros. Contruiu garagens, casas, mobilou, construiu mobílias, fez mudanças, tudo e mais alguma coisa que se possa imaginar. Agora, depois dos 60, o corpo traduz isso. Operado a uma hérnia, que ainda não o deixa descansado, tem outra a piorar. E ali estava ele. Sentou-se na cama com a dificuldade de quem tem mais 20 anos em cima.
“Pus-me a esfregar o chão da varanda e pronto, dei aqui um jeito que nem me consigo mexer.” Estava magro também. A barriga própria da idade tinha desaparecido. “Eu até como bem mas isto é do stress, dos nervos, ando sempre com preocupações. É a tua mãe que não melhora, és tu a trabalhar tão longe, é o teu irmão, a tua tia, o bairro que está velho e precisa sempre de obras. Matei-me a vida inteira e agora não consigo fazer nada!”
Entrou o irmão. Ele, desde há muito, que não era próximo do irmão. Conviviam pouco, estavam pouco tempo juntos, tinham assumido vidas diferentes desde que passaram a dormir em quartos separado. Mas sabiam, qualquer pessoa notava, que se adoravam, que algo de muito forte os ligava. E essa ligação fê-lo, imediatamente, perceber que o irmão não estava bem, nada bem.
A sua namorada, a sua companheira com quem já vivia há algum tempo, estava no hospital. E quando disse esta última palavra, ele percebeu o quanto algo estava a apertar no peito do seu irmão. De repente viu ali o miúdo reguila pequenino que se angustiava quando os pais lhe ralhavam. O miúdo que ele defendia com todas as forças. O miúdo a quem se metia à frente quando o pai ameaçava bater-lhe.
“...está lá há horas e horas. Apareceram-lhe uns caroços debaixo de um braço e começaram a doer-lhe ontem. E hoje percebeu que tinha mais uns debaixo do outro braço e que lhe doeram quando acordou. Fui logo para lá com ela. Fez exames e o médico diz que não deve ser nada. Ainda lá está não sei porquê. Vai trazer uns medicamentos e se não passar a dor vai ter de ir a um médico especialista.”
Todos tentaram ser fortes. O irmão evitou uma lágrima, que ele viu ali quase a cair, por não querer preocupar, sobretudo, a mãe. Esta não se mexeu além de baixar a cabeça. Quis mostrar-se forte. O pai tentou mostrar a força de um chefe de família. E ele que queria abraçar todos, ali mesmo, não o fez. O irmão precisava da segurança dele. A mãe e o pai do mesmo. “Vá lá, não vamos pensar no pior, ora essa! Às vezes os gânglios linfáticos incham e ficam doridos quando adoecemos. E temos muitos debaixo dos braços. Até uma simples constipação, um virusito qualquer pode provocar isso.” “Sim, o médico disse isso.” “Estás a ver! Vá, nada de coisas já, ora essa!”
Foi para casa. Era a mãe, era o pai, era o irmão agora e a sua companheira. Eram namorados há mais de 10 anos. Desde miúdos. Ela a primeira namorada dele e ele o dela. E era invejável vê-los juntos, ainda hoje. Parecia que se tinham conhecido há dias. Era tão bonito ver o seu maninho pequeno com a sua mulher, a sua casa, a sua vida de casado. E, de repente, ir-se-ia tudo desmoronar? Nem queria pensar nisso. Não conseguia sequer imaginar o desespero do irmão. Poucas coisas o magoavam mais do que ver o irmão chorar. Tantas vezes que preferiu ser ele a deixar cair as lágrimas, a levar uma ou outra palmada, um ou outro raspanete. Ele estava sozinho mas o irmão não podia assim ficar. A imagem do irmão a chorar era-lhe insuportável.
Chegou a casa e a sua menina cinzenta não apareceu a espreguiçar-se à porta, como sempre fazia. Foi ao quarto e lá estava ela. Deitada de olhos fechados com o branquinho muito juntinho a ela, sem ser em demasia, porque ela não gostava de tais proximidades, ele sabia-o.
Ajoelhou-se junto à cama e ela lá abriu os olhinhos. Não aqueles olhinhos espertos e altivos, mas uns olhinhos tristes.
Não demorou 5 minutos a pegar no carro para levá-la ao veterinário. Não foi ao do costume. Era longe e aquela hora havia muito trânsito. Foi ao primeiro que encontrou no centro da cidade.
Febre, a sua princezinha tinha febre. "Acontece de vez em quando. Ainda é cedo para dizer mas pode ser que esteja grávida, esta coisa linda. Se não for isso a ver se fica boa" disse a veterinária.
Voltou para casa e pensou: "Pronto, eu e o branquela estamos bem. E os outros vão ficar todos bem também. Vão, não vão Branquela?" O peludo que nunca ia à porta esperar quem fosse, ali estava, desta vez.
Sentou-se no sofá, onde colocou a menina doente, e resolveu ocupar-se de algo que o preocupasse o menos possível.
A princesa deitou-se a seu lado e o branquinho no chão a olhar para ambos.
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9 comentários:
Não há-de ser nada.
Vai ficar tudo bem. Tens de acreditar nisso.
O teu texto comoveu-me muito.
Não sei q dizer a não ser que tens q ter força.
Desejo as melhoras para todos, sério.
Ai que cenários tão tristes ... a ajudar o meu estado de espírito igualmente desgraçado ... pois, a vida passa sem que possamos dizer estar bem em algum momento, isto é, estar efectivamente e plenamente bem. Temos sempre aspectos de pormenor ou aspectos mais graves a preocupar-nos terrivelmente e a cobrar cruelmente cada dia que nos é ofertado neste planetazinho ... espero que tudo fique bem, claro ... e quero ver-te melhor um destes dias.
Sim, não há de ser nada.
Vais ver que tudo vai passar e melhorar. Que são apenas situações que vão desparecer em breve.
E deita-te um pouco e relaxa. Pensa que estás de novo em Berlim deitado naquela relva macia. Liberta a tua mente um pouco, relaxa, deixa o teu eu pairar um pouco perdido pelo espaço para que consigas relaxar um pouco.
Não gosto de ver as outras pessoas mal, ainda mais pessoas de quem gosto e que sofrem por pessoas que lhe são queridas. Eu sei que não te posso fazer muito, é certo, mas se precisares de algo, eu aqui estarei.
Um grande beijo e as melhoras mais sinceras.
Há fases da vida em que se junta tudo. É como um teste à nossa capacidade de resistência. E nós temos que ser fortes e resistir. Tudo vai correr bem, vais ver. Beijinho muito grande! :)
Tenho q te ir aí abraçar, posso?
Não carregues com todo esse peso sozinho.
Andas mm numa maré de azar mas pensa que os teus familiares estão piores do q tu. são eles que estão doentes.
Mas sei que deve custar mto ver todas essas situações e n se poder fazer nada.
Força, meu querido.
Meu Deus.
E a gata está melhor? Dessa q é tua podes e deves tu tratar o melhor possível. Os outros já n depende de ti.
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