- Desculpa, não te posso dar nada. A única coisa que tenho é esta pedra onde estou em cima. E uma pedra não serve para nada. Além de que nem essa te posso dar. Nem essa posso deixar que partilhes comigo.
- Mas porquê? Quem te disse que a pedra não me chega?
- Não, nunca chega. A verdade é que nunca chega. Chega agora, mas depois deixa de chegar.
- Tu não sabes se me chega ou não. Deixa-me subir para aí, para o teu lado.
- Não pode ser, nem queiras.
- Mas porquê?
- Porque esta pedra às vezes está tão quente, tão quente, que te quimará os pés.
- Mas arrefece, não?
- Sim, outras vezes está tão fria, tão gelada, que te queimará os pés também.
- E a ti não queima?
- Queima. Mas já estou habituado.
- Eu habituo-me também. Deixa-me tentar, ao menos tentar.
- Não vale a pena. Não mereces, nem deixo que te queimes por minha culpa. Dói.
- Deixa-me subir. Posso queimar-me, doer, mas aguento, vais ver que aguento.
- Queima mesmo muito.
- Está bem. Mas assim queima os pés dos dois. Prefiro estar aí a teu lado em cima da pedra, queimar-me quando tiver de ser, mas a teu lado, do que aqui sem sequer essa pedra ter.
- Não, desculpa.
- Mas quem sabe com quatro pés o calor e o frio diminuam. Há quatro pés para os absorver. Com duas pessoas dói menos. Comigo aí dói-te menos.
- E habituo-me a que doa menos...
- Sim, até que deixa de doer. E isso não é bom? Vá, deixa-me subir, ir aí para teu lado.
- Não. Depois um dia sais, eu fico aqui sozinho, e volta a queimar ainda mais do que queima agora. E mais do que o que queima eu não aguento, caio daqui e nem com esta pedra fico.
- E porque é que a queres?
- É minha. É o que tenho.
- Se eu sair levo-te comigo. Sairemos sempre os dois, se os dois quiserem. Se eu quiser mesmo sair, tu vais comigo.
- Pois, eu sei... vou sempre.
- Vais sempre? Não entendi.
- Nós temos corpo e alma. O meu corpo está aqui... Deixa lá, esquece. Não dá mesmo. Este não é o teu lugar.
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11 comentários:
E se nenhum dos dois quiser mais sair? E se nenhum dos dois jamais quererá deixar a pedra? Não será que vale a pena deixar o outro tentar? E sim, sou da opinião que a pedra deve existir para ser partilhada a dois... somente a dois. Nem a um, nem a três.
Onde é que tu vais buscar estas histórias? Baseias-te em algo?
Achei tão bonita aa parte em que um diz que não se importa de se queimar tb, que assim se queimam os dois.
É pena um não querer dividir a pedra :(
Esse cerebrozinho metafórico não pára, já percebi ... esta estória fica óptima na sequência da da Camisa
às vezes apetece-me copiar os teus textos e mandá-los por email para correrem por aí.
Mais um que me dá que pensar.
Por vezes preferimos queimar-nos e estarmos com quem amamos do que estarmos sozinhos e não sentirmos nada de nada, ou estarmos sozinhos sem a pessoa que amamos. Muitas vezes mesmo.
Se os dois ocuparem a pedra as queimaduras são menores e doiem menos. E estão lá para se ajudarem um ao outro.
Pensar que um vai sair da pedro não faz sentido na medida em que assim nunca arriscamos nada. E se ele não sair?
Eu sei que isto é repetitivo mas eu adoooooorooooo os teus textos.
Muito bonito mas muito triste. Quando não queremos sofrer nem fazer outros sofrer por estarem connosco.
Eu continuo ainda assim a acreditar que não é possível ser-se feliz sozinho.
A simplicidade deste texto deixa-me a mente na complexidade.
Parabéns.
Mais um dilema.
Tu tens uma inteligência emocional sobredotada.
Partilhem a pedra!!!!Já!
Pronto, se fazem favor...
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