A Cerca


Vivia num espaço para o qual se tinha dedicado. Um espaço que tinha ajudado a construir. Um espaço que enchia de cuidados, de atenções. Em seu redor uma cerca de arame farpado. Não estava sempre bem, mas isso faz parte da vida, fazia parte daquele seu espaço. Por vezes cansava-se mas não desistia. Era o seu espaço, um espaço que amava mais do que tudo. Dedicava-se sem que se desse muito por isso.
Um dia sentiu-se atirado dali. Num rompante violento foi catapultado do seu espaço. Catapultado de forma rasteira, ao ponto de ter atravessado a cerca, a cerca de arame farpado. Em segundos a atravessou. Em segundos se viu estendido no chão. O chão do outro lado. O chão de um espaço que não era o seu.
Era o seu novo e imenso espaço. Era tão grande. Mas como explorá-lo, como vivenciá-lo, como senti-lo na sua plenitude se estava cheio de feridas? Feridas que lhe causavam dores imensas. Feridas que lhe causavam um sofrimento imenso.
Mas era o seu novo espaço. Não podia desistir. Dorido lá se levantou, la foi andando. Era um espaço de muitos mas haveria de encontrar um cantinho para si.
Mas olhou para trás. As feridas começavam a sarar. Já tinha algumas cicatrizes que ficariam para sempre, mas era melhor tê-las do que quando estavam abertas, quando eram profundas. As feridas que ainda tinha, já por si, eram mais do que muitas. Olhou para trás.
Porque não voltar aquele espaço? O vento soprava-lhe constantemente que voltasse, que o seguisse naquela direcção. E seguiu.
Lentamente foi passando pelo arame. Era tão difícil, tão doloroso, mas valeria a pena. Ia voltar para o seu espaço. E lá, no que era seu, as feridas antigas e as novas que o arame rompia, sarariam. Afinal "Only the one that hurts you can make you feel better. Only the one that inflicts pain can take it away". Valeria a pena, acreditava nisso. Sararia rapidamente. Seria feliz novamente. Seria um espaço mais belo ainda do que havia já sido.
Estava já quase nele, no seu espaço. Era tão bom. Sabia tão bem. Os rasgões feitos pelo arame, esses, quase nem os sentia a cada corte, naquele caminho.
Estava já quase nele quando o mesmo vento, de brisa se fez furacão e o atirou de novo pela cerca. Uma terceira vez a passá-la. Uma segunda no mesmo sentido.
Achou-se quase morto. Só podia. Não passava de uma amalgama de dores sem fim, de pedaços espalhados pelo chão. Os pulmões sufocavam de sangue. O coração partido em estilhaços.
Ali ficou estendido minutos, horas, dias, semanas. A quantidade de cicatrizes era mínima em comparação com as feridas abertas, com as novas e ainda mais extensas e profundas feridas. Algumas já começavam o seu processo de gangrenação.
Mas, ainda assim, levantou-se. Tentou, tentou, tentou e com esforço, com desequilíbrios, com tropeções, lá se levantou. Haveria de conseguir. Tinha de ser. Tinha de ser mais forte do que o vento, do que aquele arame farpado.
Estava no novo espaço. Faria dele o que quisesse. Seria seu. E isso dava-lhe um restício de força. Uma força ínfima que haveria de ser, a pouco e pouco, maior. Muito lentamente mas haveria de ser.
Começou a olhar à volta, a explorar o novo espaço, um espaço cheio de tantos espaços, com tantas características, com tanto a viver, com tanto de tanto para sentir. Tinha de ser forte. Haveria de ser bom. Quem sabe não arranjaria um novo espaço seu?
Mas voltou para junto da cerca de arame farpado? Voltou. Voltou e aconteceu-lhe exactamente o mesmo.

Lírico? Poético? Sonhador? Forte? Valente? Batalhador? Crédulo? Herói?
Não... parvo.

14 comentários:

TheTalesMaker disse...

Sim, quando o destino nos prega partidas e nos atira para fora da nossa vida, de tudo aquilo que construimos para ser felizes, é do mais terrível que há. E quando alguém passa por este processo vezes sem conta, ainda pior, porque leva a pessoa em causa a deixar de ser crente relativamente a uma série de coisas, nomeadamente o amor. Acho que percebi a tua comparação das vezes que a personagem foi "atirada" para fora do seu espaço.
Mas é também o destino que posteriomente se encarrega de levar a pessoa para o seu espaço, julgo. Se o faz deve ter um propósito. Li há uns dias num sítio que por vezes temos que encontrar pessoas ditas más na vida, para posteriomente reconhecermos as boas e agradecer a sua existência e presença.
Quanto ao ser parvo por se querer voltar a ter um determinado espaço, uma determinada vida, não julgo ser parvoíce, mas apenas a condição humana na demanda da felicidade e harmonia com alguém, ou seja, partilhando essa felicidade com alguém.

Anónimo disse...

Sim, parvo mesmo.

Anónimo disse...

Isso não é humano. Ninguém se deve permitir tanto sofrimento. Ninguém se deve permitir a passar mais do que uma vez em arames farpados.
Esse homem não é parvo, não mesmo. Esse é um homem que ainda acredita naquilo que a maioria já deixou de acreditar.
Terá para sempre o corpo com cicatrizes, logo não será mais o mesmo, nunca mais. E isso é triste, muito triste.

A fotografia é lindíssima. Não me queres oferecer para eu ampliar e colocar em casa? Gosto mesmo muito.

Anónimo disse...

Valente, batalhador, crédulo, heroi, tudo isso sim senhor. Poucos o fariam após a primeira passagem causadora de tanta dor. Nem olhariam para trás quato mais chegar-se perto.

Anónimo disse...

Um dia ainda me vais explicar a dor que tens aí dentro desse coraçãozinho tão bonito. Um dia ainda me irás explicar o que te fez sofrer tanto. Mas tu és tão fechado e isso não ajuda nada.
Mas ainda bem que ainda sorris e tu tens um sorriso tão bonito. Uma espécie de homem com sorriso genuino de criança.
Olha-te ao espelho, olha para dentro de ti, esquece essa cerca asquerosa e todas as outras que te levem a escrever coisas destas e vê a pessoa bonita que és.
E as pessoas bonitas merecem toda a felicidade, só que muitas vezes preocupam-se demais com os outros mesmo com quem menos merece.
E as pessoas como tu são a inveja e provocam a raiva de muita gente. Esses ignora-os. Devias aprender isso.
Adoro-te muito, muito, muito.

Hydrargirum disse...

....Texto pesado....
Gostei do que li...mas se calhar gostei mais do que nao li...do outro texto escrito nas entrelinhas deste!

Nem Lírico, nem Poético, nem Sonhador, nem Forte, nem Valente, nem Batalhador, nem Crédulo, nem Herói!

Mas sim, Humano! Um grande ser Humano! Com tudo o que isso implica...Com o Medo de avancar ao desconhecido...e com o Medo de permancer no conhecido!

Anónimo disse...

Hydrargirum, achas que isto é humano? Das duas, uma, ou é humano e a maior parte das pessoas estão a deixar de se-lo pq não estou a ver ninguém a fazer isto, nem lá perto, ou então isto não é humano mas sim de alguém muito grande, maior do que a grande maioria dos que por aí andam e com quem nos cruzamos todos os dias.

Contra mim falo pq eu não passava por isto de certeza absoluta. Nada nem ninguém merece isto nem lá próximo.

Graduated_fool se conheceres alguém em quem te baseaste para escrever isto, diz-lhe que é parvo sim mas dá-lhe o maior abraço que conseguires.

Hydrargirum disse...

Ana, nao precisas de te exaltar cmg, se calhar nao fui claro, e perdi-me nas minhas palavras, ou entao discordamos mesmo...ja viste a beleza das diferencas:)

Eu conheco quem ame, e que por amar sofra...e que sofra por sofrer...
Mas de alguma maneira "volta"...

E isto partindo do principio que o "protagonista" da historia "Volta" a mesma pessoa/sitio...
Pq pode voltar a outra pessoa/sitio e redundar na mesma situacao/resultado...

E claro que ninguem quer sofrer...quem quer? Mas ja dizia o outro "Love Kills"...e nao e por isso que as pessoas nao se amam...

E sabes pq e que as pessoas voltam ao mesmo...pq por mais Medo que se tenha, ou dor...a esperanca de que "desta vez" resulte e maior que o Medo que se tem...(ha excepcoes, claro, ha gente para tudo!...)

E se calhar em vez de o chamar "Parvo"...que tal..."compreendo-te"...e abraca-lo...se calhar resultava mais...

Anónimo disse...

Eu não me exaltei, desculpa se me fiz entender mal.

Mas acho mesmo que é preciso ser-se muito "parvo" para permitir que passemos por isto e mais do que uma vez, mais do que duas. Este vai e vem não trás mais do que sofrimento e como dizes ninguém quer sofrer. Então se não quer sofrer não faz sentido repetir o que sabe que o faz sofrer.

Pode-se amar muito uma coisa, alguém (e sei do que estou a falar) mas acima de tudo temos que nos amar a nós mesmos, perceber quem nos fez mal, afastarmo-nos e aprender a lição. Se insistimos em cair no mesmo erros então somos parvos, vais-me desculpar. O contrário é isso sim lirismo. Infelizmente a vida real não é assim, nem é para estas pessoas, é para as outras. Estas a continuar assim estão a traçar a sua própria desgraça e infelicidade.

O amor faz sofrer, n obrigatoriamente mas em geral faz, mas há um minimo aceitavel e isto aqui retratado vai muito além desse minimo.

Dizer a essa pessoa "compreendo-te" é muito bonito mas é ajudá-la a cair no mesmo erro.

Essa pessoa deve procurar, se quiser, outro espaço, outra cerca, não esta que está mais que provado só a fere profundamente.

Eu acredito muito na força do amor, mas acredito também muito na força da maldade e quando é essasa que existe num espaço, é melhor encontrar outro. E esta pessoa já o devia ter feito há muito tempo por si, por amor proprio.

Pode dar-se mal noutro espaço mas pelo menos é outro, ainda há esperança em curar as feridas, em amar, é um espaço novo e diferente, nesse sim. Agora neste não. Esté é sofrimento.

Hydrargirum disse...

Ana:)

Ja viste, esta conversa dava pano para mangas...e de balao...:)

Eu so acho que as coisas nao sao assim tao preto no branco como descreves...
E se calhar e preciso alguem que tenha voltado a cerca, para compreender outrem na mesma situacao.

Para te citar:
"Contra mim falo pq eu não passava por isto de certeza absoluta. Nada nem ninguém merece isto nem lá próximo."

Eu aqui ha uns anos, tb diria isso...alias, mto mais categoricamente...com um JAMAIS!
Mas a vida amaciou-me...e agora vejo contornos de cinzento (nao, nao sou daltonico!:))...E ja voltei a cerca uma vez...

Does that make me Parvo?...ui..entao a palavra doi!

E claro que voltar a cerca e um erro...muito grande...mas errar e humano...Humano, que foi a palavra que eu mencionei...

Anónimo disse...

Não me vou perder em opiniões sobre se é parvo, se é humano, se é valente, batalhador, herói, crédulo ... questões afectivas são suficientemente complexas para dizer algo com certeza de que é isso e pronto. Analisando o texto apenas em termos líricos é bastante bom, gosto da comparação utilizada ... és muito criativo, como sabes.

A verdade é que toda a gente tem todas as certezas do mundo sobre relações de que género forem, mas aplicá-las no seu caso pessoal é que é mais difícil ... depende do momento, da confiança, da maturidade, do outro, da configuração da relação ... mil factores convergem nesse sentido e reduzir as coisas a um conjunto de adjectivos não será a melhor opção

Anónimo disse...

Concordo com o brama mas tb acho que há minimos, diga-se o q se disser. E tomar a posição de que é complicado, não há verdades, não ha adjectivos, etc é que não leva a nada, isso é apatia perante a vida, é não fazer nada, é comodismo disfarçado.
Além disso levaram este texto para relações mas pode ser visto de outros pontos de vista, nao? O ponto de vista do espaço em sim, por exemplo, entre outros.

Anónimo disse...

Texto excelente e foto excelente.

Anónimo disse...

É parvo pq quando se quer muito algo, chega-se a fazer figuras de parvo e damo-nos mal, neste caso muito mal.