Melanina

10.25 h

- Olha!
- O que foi?
- Tu não tinhas isso.
- O quê?
- No período passado não tinhas esses cabelos brancos todos.
- Já tinha muitos mas como pintei... Agora já voltou a cor de lado, porque cortei, e já se notam outra vez.
- Nã, nã, nã. Tu não pintaste assim há tanto tempo e antes disso não tinhas tantos, lembro-me bem até de pensar: "Tem 34 anos e meia dúzia de cabelitos brancos". Mas agora tens muitos mais.
- Pois, é da idade.
- Mas ficam-te bem.
- Achas? Não acho nada.
-Acho. Tens cara de miúdo e com cabelos brancos tem graça, faz um contrate engraçado.
- Dispenso bem contrastes desses, mas não posso fazer nada.


17.15 h

Olhou-se ao espelho. Ultimamente andava muito desleixado e o espelho só estava à sua frente para fazer a barba, lavar os dentes e pentear-se. Nunca tinha tido o hábito de ficar muito tempo a observar cada marca, cada sinal, pormenor da sua cara, e ultimamente muito menos. Andava pouco preocupado com o seu aspecto. O espelho reflectia-o, claramente.
Olhou-se ao espelho e percebeu que estava, efectivamente, a ficar velho. Mais do que isso, não estava velho mas tinha envelhecido rapidamente. Sempre lhe disseram parecer mais novo do que a efectiva idade, agora essa estava estampada em si. A pele já não tinha a limpidez e elasticidade de outrora. Já tinha um sinal aqui ou ali. As rugas da testa, que sempre teve, estavam ainda mais vincadas e os "pés de galinha" surgiam ao mínimo movimento dos lábios. Debaixo de cada olho, cada um mais descaído do que há uns tempos, uma semi-bolsa cinzenta a dar um ar mais carregado. O couro cabeludo bem menos preenchido por um cabelo bem menos farto, grosso e volumoso. A testa estendeu, prolongando-se por umas entradas bem visíveis. E lá estavam os cabelos brancos. Do lado direito não meia dúzia como há meses, mesmo semanas, antes de pintar o cabelo, mas muitas meias dúzias.
Ao menos que fossem aparecendo lentamente. Ao menos que fossem "bem semeados". Agora assim tantos e tão de repente? E tamanha diferença entre os dois lados da cabeça? O lado direito parecia ter levado uma pincelada de tinta branca.
Agora estava como os amigos da sua idade. Ele que sempre teve muitos menos cabelos brancos do que eles. E apareceram tão depressa... Será que ela tinha razão?


10.30 h

- Isso só pode ser das preocupações.
- O quê?
- Sim, não sabes o que os velhos dizem? Velhos e não só.
- O quê?
- Que as preocupações, o stress, as depressões fazem cabelos brancos. Assim tão rápido só pode ser isso.
- Não é nada, que disparate. Acontece, aconteceu... é da idade.
- Assim tão de repente? Hum, estranho.
- Devem ser os miúdos, o trabalho, pronto. Os putos fazem-nos velhos.
- Hum, nã, nã. Assim de repente? Tá tudo bem contigo?
- Tudo óptimo, tirando os cabelos brancos.
- Deixa lá, ficam-te bem. Um homem de cabelos brancos fica mais charmoso.
- Talvez, nos outros. Eu dispenso, ainda por cima distribuídos assim. E nem tive tempo para me habituar.
- As pessoas habituam-se a tudo. As mudanças fazem parte da vida.
- Pois, eu sei.
- E é nesse processo de habituação à mudança que nascem mais cabelos brancos.
- Então é bom que me habitue rapidamente porque senão daqui a pouco pareço o Pai Natal.
- Goza, goza. Olha, a minha mãe, depois da morte do meu pai, ficou com o cabelinho todo branco.
- Mas nota-se assim tanto?
- Sim, desculpa, nota. Não me digas que não tens espelhos em casa. Mas tás giro. Para 34 anos não estás nada mal de brancas.

4 comentários:

Anónimo disse...

A minha mãe diz o mesmo, que preocupações fazem cabelos brancos. Será?
Mas tens assim tantos? Qdo te vi há uns mesitos não reparei. Apareceram assim depressa? Se calhar a minha mãe tem razão.
Mas não te devem ficar mal com essa carinha. :)

Anónimo disse...

Tu cabelos brancos????

Bem que estranho assim tão rápido. :(
Eu tb já tenho alguns e nas gajas fica bem pior.
Nos homens até gosto e deixa lá que deves ficar um pão, mais madurinho. eh eh eh

Beijo

Anónimo disse...

Isto da idade é muito estranho. Depende dos dias. Há dias em que as pessoas acham-me mais novo, outros há em que dizem parecer mais velho. Algumas pessoas dão-me mais idade o que me dixa desbaratinado do sentido e dizem-no com convicção de que menos de 35 não pode. Outros (felizmente mais), acham que aparento a idade que tenho ou talvez menos três ou quatro no máximo. Sinto que envelheci nos últimis anos, mas sobretudo neste sinto que envelheci mesmo. E creio que as preocupações só podem ter a sua grande quota parte. Como sabes, este ano foi super desgastante para nós em todos os sentidos e para animar, o próximo só será muito melhor. O pior de tudo é que nada nem ninguém merece aquilo pelo que nós passámos este ano ... NADA NEM NINGUÉM. Depois há os aspectos financeiros que nos martirizam diariamente, há os familiares, há as obrigações às quais não se consegue fugir (estamos presos numa teia social coladiça) e os amorosos e emocionais, para quem os não regeitou à partida (só para aliviar uma parte do processo, quiçá uma das piores partes). Depois há ainda o desgaste e o stress de escpara continuamente a todo este massacre diário no intuito de conseguir esperançosamente dias mais luminosos, com mais dinheiro, em que se pode ir aqui e ali, estar com as pessoas queridas, etc.

Sim, este ano tb envelheci tal como tu. Sinto o peso do que escreveste, descrevendo-te a ti próprio e é horrível. Envelhecer está longe, muito longe de ser algo magnífico e bonito ... é torturante mesmo e sentimos no corpo até o peso dos anos ... já não me sinto tão flexível, tão leve, tão fresco ... já não me levanto com a mesma ligeireza, já não recupero da falta de descanso com a mesma energia ... já não. E é triste e deprimente.
O aparecimento de cabelos brancos é algo curioso ... aparecem dois ou três pontualmente e num instante ... voilá, acorda-se um belo dia e deparamo-nos com dezenas, senão centenas. É muito rápido mesmo. Nos cabelos é onde notamos mais e na pele junto aos olhos, onde é mais frágil.

Não me importo de ter cabelos brancos aos 50, mas importo-me de os ter aos 30 ... não faz muito sentido e a única justificação é o resultado da sociedade em que vivemos ... na qual pouco se vive de facto ... embora pareça que se vive muito.

João Roque disse...

Meu amigo
geralmente reparamos bastante no nosso envelhecimento, com esses sinais que os espelhos nos vão transmitindo no dia a dia; e é um facto que vamos mesmo, é a lei da vida! E os outros?
Esta semana fui a um funeral de uma senhora amiga, e como sucede quase sempre em funerais, encontramos pessoas que não vemos há bastante tempo; isso sucedeu agora e fiquei perfeitamente estupefacto com o envelhecimento de certas pessoas que raras vezes encontro; possìvelmente terão dito o mesmo de mim, mas há uma certeza:
os "Dorian Gray" são mesmo e só, personagens de ficção...
Abraço, e se isso te ajuda, acho-te muito jovem e ...bonito!