Há dias que são mesmo para esquecer. E quando esses dias se sucedem parece-nos incrível, azar, praga, o que for.
1º Dia:
Chego a casa e, mais uma vez, deparo-me com a deliciosa situação de não ter cabo. Sim, tv cabo, net cabo e telefone. Ligo para a TVCabo, música, atendem, música, passam a outro. Ficam de ligar dali a minutos. Vou corrigindo testes. Ligam 2 horas depois, depois de eu lhes ter ligado, novamente. Só ameaçados por uma rescisão de contrato é que lá resolvem mandar um piquete a casa. Um piquete que chegou quase à meia-noite, pois que sim. Um dos homens já me conhecia e desatou logo a rir. Tal como previsto, era a mesma situação de há 2 semanas atrás. O douto técnico em vez de cortar o cabo dos vizinhos do lado que deixaram a casa, cortou o meu cabo precioso. E desta vez fez o mesmo. Competências!
2º Dia
Saio de casa a caminho do trabalho. Engarrafamento logo à entrada da auto-estrada. Boa! Passou depressa? Não mesmo. Estive dentro do carro das 7 às 10.20 horas. Mais de 3 horas para percorrer 50 km. Faltei aos dois primeiros tempos lectivos e... ia dar teste de avaliação a uma turma. Agora este dito fica quase "em cima" do próximo. Ali dentro do carro a ver o tempo passar. Ali no carro com a música em alto som para distrair e rejeitar o stress. Mas mais de 3 horas? Não há stress que não teime em colar-se. Saí do carro, entrei, saí, entrei, meti conversa com uma e outra pessoa que por ali andavam qual video "Everybody Hurts" dos REM. Um convívio animador, claro. E nem um único cigarrinho para fumar, nem um. Pois, contava ir ao café perto da escola antes do toque de entrada. Quando achava que ia chegar lá para as 9.15 horas, uma cereja, outro engarrafamento. Desta vez na 2ª circular. Nunca vi tanto avião a passar por cima de mim. Mais música e nem um cigarro. A calma que se me tinha instalado ao fim de hora e meia foi, ali mesmo, substituída por uma camada de nervos maior que os km já feitos. "Vá, calma, calma. Isto passa. Agora é chegar à escola. Vamos lá ouvir uma musiquinha divertida".
Nem café bebi e lá fui dar aula. Mesmo em cima do toque. Entrei pela escola a correr. Área de Projecto. Qual quê? "Computadores avariados, quase todos eles. Este tem vírus, este liga e desliga, este já não liga, este nem sei bem, professor", dizia a senhora da biblioteca. Lá fui para a aula inventar coisas porque levar os computadores para os alunos fazerem gráficos com os dados recolhidos junto da comunidade escolar, estava fora de questão.
Almoço, finalmente. Qual quê? Funcionária do bar doente. "Não temos pessoal para assegurar os lugares todos. E quando abrir o pavilhão desportivo vai ser lindo", dizia uma colega. Sempre a mesma conversa que logo levou aos habituais consequentes "cortes e costuras" sobre a Ministra, o Ministério e Governo. Não havia tempo de ir almoçar fora. Corrigir testes até ao período da tarde.
Mais um bloco de aulas. Um miúdo para a rua. O catraio ousou atirar com o livro a uma colega. Aulas dadas e agora era esperar 2 horas por uma reunião de departamento. Coisa linda ao fim do dia! Correu ainda pior do que as anteriores. O coordenador a falar como se de uma missa se tratasse, papéis para a esquerda e para a direita. Um colega a falar exaltado com umas veias do pescoço quase a explodir, uma colega a gritar esganiçada, outras duas aos segredos, uns a rirem por causa daquele espectáculo, um a falar por cima do outro numa luta para ver quem mais se consegue ouvir, dedos no ar, telemóveis a tocar, aprovações disto, reprovações daquilo, uma colega que sai da sala irritada, a acta assim, a acta assado... Desisti. Desenhei. Uma sala de loucos, que é aquilo em que os professores se estão a transformar. Nem as piores turmas se comportam assim.
Não, não ia dormir a casa. Aceitei ficar pela margem sul. Até porque algo me dizia que no dia seguinte teria outro divino engarrafamento. Uma chuvada imensa durante todo o percurso bem mais curto.
3º Dia
Saio de uma casa que não é minha mas que já não me é estranha e lá vou. Hoje ia chegar cedo, muito cedo até. Iria ao café tomar um bom pequeno almoço. Ah pois que sim. Um percurso que demora no máximo 15 minutos foi percorrido numa hora e inteirinha. Boa! Mais um dia a chegar atrasado. Mais um acidente na estrada. Mais uma falta sem que a culpa fosse minha. Ontem no sentido Norte-Sul, hoje no sentido inverso. "Será que o arcanjo dos engarrafamentos me segui para a margem sul do rio?"
Escola. Mais uma vez sem café e lá vou à pressa, escada acima, para dar aula. Lá estavam os quase 30 pirralhos com a colega substituta. "Olha já assinei o livro e a funcionária disse-me para te vir substituir porque já tens falta. Que chatice!" "Deixa, não faz mal. A culpa não é tua nem dela. Apanhei um engarrafamento. Sim outro, imagina! Tenho falta mas dou aula na mesma. Não me posso atrasar no que planeei. Estou cá e dou aula. Prefiro." Erro. Mais uma alminha para a rua e carradas de faltas de material.
Hora de atendimento aos encarregados de educação. 2 atendidos e mais 3 ao telefone. Desculpas para aqui, desculpas para ali. "Já lhe ligo, desculpe, estou a reunir também com uma mãe e depois tenho um pai". Mais de 2 horas a ouvir queixas sobre o tão falado professor de Educação Física que é injusto, que grita, que chama nomes aos alunos, que não dá matéria, que atende o telemóvel nas aulas, que manda sms constantemente, que é stripper, que falta quase sempre, que não explica nada, que ameaça os alunos, que as notas de final do ano não sejam com tantas negativas quanto as do segundo período, que vão haver queixas directas à Drel se eu ou o Conselho Executivo não resolvermos a situação. Subo escadas, desço escadas, vou ao Executivo, volto, escrevo, assino, discuto com o tal de Educação Física e... mais uma vez sem almoço.
"E quem me manda a mim marcar uma reunião com um pai ao fim do dia!? Ele que viesse na hora de atendimento. Sou mesmo estúpido também!"
Finalmente o regresso a casa. Que belíssimo regresso. Pois claro, novos engarrafamentos. Sim, plural. 2 engarrafamentos. Um à saída da ponte, outro à saída a auto-estrada. Entro no elevador, abro uma das cartas do correio e deparo-me com mais uma cereja suculenta. 360 euros de electricidade para pagar. Sim, isso tudo. Como não vivi na casa durante muito tempo, agora os acertos de uma mensalidade fixa diminuta, deram nesta quantia astronómica. A duas semanas de receber o ordenado vem mesmo a calhar. Pronto, cartão de crédito, que remédio.
Entro em casa. Empurro a porta com as costas e deslizo a sentar-me no chão. Antes mesmo da aproximação dos dois felinos e depois de um grito bem gritado, desato-me a rir. O que fazer!?
Aguardo ansiosamente pela chegada do fim de semana. Em duas casas, nenhuma minha, darei asas a um dos meus maiores prazeres. Vou mostrar o trabalho de fotografias que fiz para a minha sister, comprar molduras para tornear uma cada vez maior, mas ainda muito básica, prática de photoshop e escolher bem o local onde colocar a coisa. Na outra casa vou pintar uma parede ao meu gosto, talvez montar móveis a comprar aqui ou ali, vou projectar o espaço interior e exterior, tirar daqui, arrastar para ali, mudar isto, mudar aquilo. Ajudar na decoração de uma casa. Ah como eu gosto disto!
Mas se amanhã apanhar outro engarrafamento... PASSO-ME!
Quem me manda a mim ter concorrido para a margem sul!?
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
5 comentários:
Coitado, que grande azar, meu querido. Fiquei stressada só de ler, quanto mais se fosse comigo.
Bem, mas estamos quase de fim de semana e vais ver que as decorações vão superar tudo isto.
Mas andas a dormir na margem sul? Em casa de familia, amigos ou há por aí história?
Concorreste porque estavas mais perto de onde moravas, não foi? Infelizmente a vida foi-te cruel e agora tens que aguentar. Mas acho que aguentas, até te riste no fim e tudo. Eu não sei se conseguia rir.
Mas o ano está a terminar e vais deixar de fazer esse caminho todo, já falta pouco, pensa assim.
Depois das férias do verão já recuperaste energias e daqui a uns anos talvez mudes para uma escola mais perto ou quem sabe vás morar para lá entretanto. Assim livras-te do transito, já pensaste nisso? É uma questão de tempo.
Eu não aguentava isso nem ser professor.
Puxa vida, como dizem os brasileiros...Isso tem estado preto para esses lados; o que vale é que se nota um optimismo para o fim de semana; bem precisas.
Abraço.
Vale a pena dizer alfuma coisa????
Portugal no seu melhor ... este país é uma anedota pegada em tantos aspectos que a única forma de levar a coisa é não pensar em metade dos acontecimentos (por uma questão de sobrevivência), fingir que está tudo a correr bem e que este país não é assim tão mau (por uma questão de sobrevivência), transformar as coisas péssimas numa espécie de bênção divina (por uma questão de sobrevivência) ... na profissão não ouvir mesmo metade daquilo que acontece e definitivamente não valorizar quase nada (por uma mera questão de sobrevivência).
Agora terás de ouvir-me qt a uma questão: não voltes a marcar reunião com pais ordinários e chatos em cima da tua hora de almoço ... ninguém faz isso nas outras profissões e já que temos a fama de não fazer nada, ter mts férias, salário garantido ao fim do mês sem mercer e ganharmos muito bem ... então façamos jus a todas as regalias ... NÃO VOLTES A MARCAR REUNIÕES ASSIM ... A ESTUPIDEZ PROFSSIONAL TEM LIMITES.
CHEGA!!!
PS: Não vale a pena uma pessoa esgotar-se para depois precisar de recorrer ao cartão de crédito para oagar a electricidade ... ninguém merce isso ... NINGUÉM.
PS1: Que história é essa de não teres nenhuma casa ... não me contaste nada o fds passado relativamente à venda da tua casa.
beijos
Sabes bem que podes ficar na minha casa quando quiseres mas já percebi que preferes outra aqui deste lado. :(
E a minha tb está a precisar de umas decoraçõesinhas.
De resto assino por baixo do q o Brama disse. É desgastante.
Enviar um comentário