Linguagens

Já há muito que não tenho paciência para falar da actual situação do ensino, da ministra da educação, do que vou vendo, diariamente, na escola. Vou vivendo a minha vida profissional com alguma calmaria, evitando stressar-me, antecipar-me à, cada vez maior, desgraça mais do que certa. Prefiro encarar um dia de cada vez na escola e nem querer muito saber das novidades, sempre bombásticas, vinda do ministério.
Mas, por vezes, é impossível desviar-me do que nos entra pelos olhos a dentro. É impossível não acumular uma camada estrondosa de nervos.
Hoje, no comboio peguei num jornal que ali estava abandonado na cadeira em frente a mim. Objectivo: descontrair, ocupar o longo tempo de viagem. E, claro, em minutos, subiu-me uma coisinha má pelo corpo e, mentalmente, fui um professor a falar, digo, a pensar muito mal a língua de Camões.
Uma entrevista maravilhosa com a nossa ainda mais maravilhosa ministra Lurdinhas foi a responsável por tal desconcerto aqui do moçoilo.

Eis um excerto da dita maravilha:

- Incomoda-a, enquanto responsável pela Educação, verificar que as novas gerações dominam mal a escrita, dão muitos erros e mal sabem a tabuada?
- Mas eu não partilho dessa sua visão que as novas gerações escrevem mal e não dominam o português. Isso não é verdade, não está comprovado em nenhum lado, pelo contrário. Se tivermos em atenção aquilo que são sistemas externos de avaliação, aquilo que podemos dizer é justamente o contrário. O fenómeno que existe hoje e que causa maior perplexidade é que temos muito mais alunos no sistema de ensino. Há trinta anos, entravam nas universidades 7% dos alunos, o que significa que eram poucos, muito seleccionados e escolhidos. O desafio da escola de hoje não é ensinar 7% da população; antes, é ensinar todos e com isso aumenta a quantidade de todos os tipos de alunos, dos bons, dos excelentes e naturalmente também dos maus alunos.

- Mas se o sistema funcionasse de modo correcto não haveria essa quantidade de maus alunos. Não concorda?
- Hoje há mais alunos a saber mais, há mais alunos a saber regularmente e também há mais alunos a saber pouco, o que resulta de haver mais alunos no sistema. Esta é a primeira conclusão a que podemos chegar. A segunda conclusão que também poderemos retirar da observação que faz é que as novas gerações sabem coisas diferentes das gerações anteriores. E essa realidade as gerações anteriores nem sempre estão disponíveis para aceitar e perceber. A sociedade de hoje valoriza saberes diferentes. Veja o caso da minha geração, que tem fracos conhecimentos em tecnologias da informação, por exemplo. Hoje, as crianças têm mais competências nessa área.

- Mas é razoável aceitar que nem a tabuada se saiba e se frequente o segundo ou o terceiro ano de um curso superior?
- Isso não é verdade. Há uns que não sabem mas há outros que sabem e...

- Mas não deveriam saber todos? A tabuada é o básico dos básicos de uma disciplina tão importante como a matemática.
- Mas em todas as gerações houve alunos que não sabiam a tabuada, peço desculpa. A taxa de reprovação na quarta classe há quarenta anos era na ordem dos 50%. Já está a ver a quantidade de pessoas que não sabiam a tabuada, mesmo na escola primária. Nós não podemos generalizar os maus casos aos alunos que são bons, da mesma maneira que não podemos generalizar os casos dos bons alunos ao resto do sistema, que também seria criar uma profunda ilusão. Nunca o país teve alunos tão bons, excelentes mesmo, a fazer mestrados e doutoramentos como tem actualmente.

(Nota do jornalista: Por esta altura, já o assessor da ministra, incomodado com as perguntas que estavam a ser colocadas à governante, procurava dissuadir-nos de continuarmos a fazer o nosso trabalho, o que só sucedeu por anuência da própria ministra, para grande irritação do assessor em causa)

- Supondo que a senhora ministra habite em Lisboa, imagine que o Governo deslocalizava a sede do ministério para Évora ou Elvas: com que estado de espírito chegaria ao seu trabalho ao fim de cento e cinquenta quilómetros de viagem e com que disposição voltaria para a família ao fim do dia, depois de um vai e vem de trezentos quilómetros?
- É claro que essa não é uma situação razoável, mas são as condições da vida que por vezes são bem difíceis. Para todos, não apenas para os professores. Há muita gente que tem que percorrer muitos quilómetros, infelizmente, para poder ter acesso ao emprego. Não é razoável mas acontece. Felizmente que não é muito elevado o número de casos e tenderá a resolver-se.
(in Jornal Fundamental- Nuno Cláudio)

Sim, senhora ministra, sabe dar muito bem a volta às questões. Daqui a uns anos, com um país cheio de gente burra, todos a irão entender muito bem, todos em si acreditarão, ninguém vai perceber que as coisas não são BEM assim. Mas agora ainda há quem veja e não somos assim tão poucos. A sua linguagem não convence todos.
Então termos mais alunos nas escolas, no ensino superior, significa que estes sabem mais? Termos os miúdos a dominar as novas tecnologias é sinal de que sabem mais, de que têm o raciocínio lógico-matemático mais desenvolvido? É sinal de que são melhores pessoas, melhores cidadãos?
Minha senhora, é óbvio que temos alunos muito bons, mas a maioria deles não o são. E muitos dos que têm boas notas, têm-nas como consequência do grande facilitismo e da quase nula exigência no ensino. E é óbvio que temos mais alunos na universidade. Dantes quase não havia cursos superiores, agora há-os aos pontapés. Sabia que somos o país da UE com maior número de cursos? Já viu a quantidade de engenharias que por aí há? Sabia que até temos um curso superior de provador de vinhos? Estranho seria se com tantos cursos, com tantos facilitismos, com tantos empurrões aos meninos, as faculdades tivessem o mesmo número de alunos de outrora.
Pronto, vá lá, os alunos escrevem e falam muito bem Português, os professores é que começam a ter grandes dificuldades a esse nível, porque quando a si se referem ficam, quase sempre sem capacidade de falar esta ou outra qualquer língua. Sem palavras!
A senhora Maria de Lurdes Rodrigues é um caso claro de miopia política comprovado quando diz que é falso que as novas gerações não dominam bem a língua portuguesa. O pior governante é aquele que não quer ver a realidade que está mesmo diante dos seus olhos, porque nada fará para a alterar (neste caso ainda a agrava). E dizer-se que tudo está bem quando somos todos (seremos mesmo? Esta senhora parece que não) bombardeados constantemente com textos de péssima qualidade (chamar-lhes textos já é elogioso) é, no mínimo, assustador.

7 comentários:

Anónimo disse...

A senhora não sabe o que diz. É ridiculo demais.

Hydrargirum disse...

A mim é que se me deu uma coisinha má a ler a entrevista....várias vezes pelo corpo!!!

Só me apetece mandá-la a um sítio que eu cá sei...!:/

TheTalesMaker disse...

Engraçado que esse jornal que referiste é de cá e até conheço o jornalista em questão, adora ser bombástico e por vezes até sensacionalista.
Mas quanto à entrevista, é verdade que a senhora disse só disparates. Alunos a escreverem melhor português hoje em dia? Que piada. E mais pessoas licenciadas, mestres ou doutoradas? Para quê? Não há mesmo empregos e carreiras para estas pessoas em Portugal, ora.
Enfim, é o país que temos.
:S

Anónimo disse...

A tudo o que referes acresce outras notas sobejamente importantes:

-antigamente o ensino só era possível a uma parte da população, aos que financeiramente podiam ... naturalmente que por muito bons que alguns fossem, não poderiam aspirar a ir mais longe e era um sistema bem mais exigente e de triagem mais dura e elitista;

- agora qualquer burro camuflado de aluno aplicado ou não, com alguma xico esperteza, uns trabalhitos copiados, um favorzinho aqui e ali ou sem isso, chega longe ... as portas estão abertas para qq burro entrar e só não o faz quem não quer ... o que não quer dizer que sejam melhores alunos agora;

- há outra coisa que se chama percentagens e relativização dos dados em função de um determinado universo ... talvez a (s)inistra (des)educativa deva tirar uma formaçãozinha para diferenciar dados absolutos de dados relativos ... o facto de existir MAIS pessoas a estudar e a chegar longe não significa que a sua percentagem seja maior face ao universo que se nos apresenta ou até, que a qualidade de ensino seja melhor e se realmente é, deve-se ao facilitismo promovido pelo Ministério e não pelo esforço pessoal;

- evidentemente que agora há mais alunos a perceber de TIC e computadores, ÓBVIO, há 40 anos atrás não exisitiam e qd começaram a exisitir não estavam generalizados a todos e não eram financeiramente acessíveis a todos, QUE DISPARATE;

- sim ... devem mesmo ser pouquíssimos os professores que andam a fazer centenas de kms para trsbalhar ... mal se notam. E mesmo que fossem poucos, mesmo que fossem ... quer então dizer que se forem menos a sofrer, o valor unitário de cada sofredor já não interessa?

Não, a Ministra não dá bem a volta às questões, até a acho bastante elementar porque dar bem a volta às questões é conseguir quase convencer-nos através das suas explicações, mostrar-nos outro lado ou então, suavizar uma realidade negra e conseguir levar a que nós a observemos como tal e ...definitivamente ela não me convence

Anónimo disse...

Assino por baixo do que tu e o Brama disseram e fico como o hydrargirum...uma coisinha má a subir por mim e várias vezes.

Anónimo disse...

Odeio-a tanto. Que mulher incompetente e com ar de que sabe tudo mas o que sabe está tudo errado.
Até os alunos conseguem perceber melhor que ela que o ensino vai de mal a pior, até eles se queixam de mtas coisas.

pedro f. jorge disse...

É com agrado que vejo que resolveste ser mais interventivo no sentido em que debates outro tema que dominas, visto seres professor, e ao que sei, com um currículo invejável.
Li parte da entrevista, mas sei que se seguiria caso a lese até ao fim. Há que defender o peixe, afinal de contas querem-se estatísticas que confirmem a literacia excepcional do nosso país, ao mesmo tempo que se ocultam as fragilidaes dessa mesma literacia, conseguidas através de facilidades que visam dotar mesmo os menos capazes de canudo. quando entrei na faculdade, há cerca de 12 anos, reparei num bacharelato cuja média necessária para entrar correspondia a uma média de dez no secundário, e a quase zero nas provas específicas. Basta va passar no 10º, 11º e 12º para se conseguir entrar num curso seperior, sendo que nas provas específicas se poderiam fazer sem estudar, diria mesmo sem esforço: qualquer valor, 1, 2, 3 serviria para se atingir um canudo. desconheçoa finalidade desse bacharelato (engenharia do papel) o que não significa que não exista. Simplesmente, se exige responsabilidade, que a seja assumida por alguém capaz, não apenas com vontade de a ter. Mas enfim... como arquitecto, sou picuinhas: desenho tudo e mais alguma coisa ao ínfimo pormenor. mas para que seja executado com perfeição, qualquer carpinteiro tem de ter capacidades de compreensão e interpretação dos desenhos. E os que tenho encontrado têm-na. O valor encontra-se nas capacidades de cada um, não no papel grosso com um medalhão pendurado que exibe o currículo. E esse carpinteiro, esse serralheiro, esse construtor civil que manifestam o mesmo empenho que eu procuro ter são mais licenciados, mais mestres e mais doutores que aquele que, por mero dado estatístico, engrossa os números da literacia portuguesa. nãos os quero por perto, nem a segurar num tijolo...