Marcou tomar um copo com uma amiga. Lá foi. É daquelas amigas com quem muito esporadicamente se encontrava mas quando a encontrava era como se estivesse estado com ela no dia anterior. Não por não terem grande coisa para contar, nada para conversar, mas porque sempre gostaram imenso um do outro, sem precisarem de estar constantemente juntos. Havia um grande "há vontade" entre eles. E sempre tinha sido assim desde o início, já lá iam vários anos. Uma amiga com tantos amigos tão próximos, daqueles com quem se está com frequência, e que o tinha escolhido a ele para ser o pai de uma sua filha. Lembrava-se tão bem do dia em que ela lhe fez a proposta, quase em jeito de informação. "O relógio biológico começou a falar mais alto e quero, quero muito ser mãe, ter uma filha. Fiz uma lista enorme e só podes ser tu o pai. És tu e acabou-se!"
Ligou-lhe. Não sabia onde era o bar. Sempre teve esse problema. Passava e parava naquelas ruas há anos e nunca decorava nomes de bares, restaurantes e ruas. Tudo lhe era conhecido, inclusivé o não associar nomes a espaços. Sabia os nomes, sabia os espaços, mas nunca sabia os nomes dos espaços. Despachada e decidida, como sempre, ela explicou-lhe o percurso a fazer. Foi rápido. Lá estava ela com a sua companheira de longa data. As duas e uma amiga. Ela passou-lhe logo 4 caixas de dvd's para a mão e começaram na conversa, como sempre que se encontravam.
Falaram de férias, projectos, dos seus sofás, de viagens, de gatos, de praia, de cidades (espantou-se quando ela lhe disse que não gostou de Paris), de séries de tv, de aulas de ginásio, de relações, do Hitler, de caipirinhas, de cinema... A amiga foi-se, a companheira dormia com a mão no queixo e cabeça encostada à parede e eles sempre a conversar. Havia tanto para conversar e, ao mesmo tempo, pairava a sensação oposta aquela de quem não se vê há meses. Ele gostava disso.
De regresso aos carros, depois de serem convidados a sair do bar pelo tardar das horas, combinaram encontrar-se no fim-de-semana seguinte.
Colocou o ipod, seleccionou uma música da qual tinham falado e dirigiu-se ao seu velho carro. Ia rapidamente para casa ver os dvd's emprestados, até o sol espreitar. Gostava mesmo daquela rapariga e achava tão bonita a relação daquelas duas. Duas pessoas tão diferentes e juntas há anos. Já tinham terminado, em tempos, mas voltaram a juntar-se e assim estavam.
Lembrou-se de algo que a sua amiga, num dos seus encontros ocasionais, havia dito quando a relação entre ambas atravessava uma fase muito complicada, tinha mesmo terminado: "Eu tinha um tesouro em casa e fui-me meter com um pirata! Agora vejo que é mesmo um tesouro. Agora vejo que é esse tesouro que quero. Sou mesmo estúpida! Os piratas fazem tudo para encontrar um tesouro e eu tinha um e não lhe dava o devido valor." Lembrou-se que, na altura, lhe respondeu: "E será que já não o tens? Será que o perdeste mesmo? Se não tens, se perdeste, se o queres, então vai buscá-lo, faz por isso. Ela pode estar muito magoada mas sabe que é o teu tesouro e tu, de certeza, és o dela."
Hoje viu, novamente, que assim era. Lá estavam as duas, tão diferentes entre si, a falar do seu dia-a-dia. Lá estava ela e o seu tesouro.
Sorriu e pensou: "Às vezes, talvez sejam precisas umas piratarias que nos abram os olhos, que nos ajudem a ver o tesouro."
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3 comentários:
Às vezes é mesmo.
E há por aí alguns tesouros sozinhos.
Há amizades assim em que pouco vemos as pessoas mas gostamos delas tanto ou mais do que gostamos daquelas que vemos muitas vezes.
Ainda bem que elas estão juntas. Tu também vais ser o tesouro de alguém e vais encontrar o teu.
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