All over the place

Tomou um banho rápido e preparou-se para sair. Não lhe apetecia. Tinha dito a si mesma que "hoje não saio". Não lhe apetecia, não queria ver ninguém. Quanto muito ia à praia. Era Verão e no Verão as pessoas vão à praia. Ela ia, mas ia à noite. Ali, qual cena de filme, a praia era sua. E, tantas vezes, se sentia num filme. Um filme em que era a actriz principal.
Não queria ver ninguém. Se saísse com pessoas, seria um corpo presente, pior, seria um corpo silencioso. E sabia que não a queriam calada. Queriam-na a conversadora do costume, a lançar piadas, como de costume. Se ficasse calada, por minutos que fossem, seria logo alvo das perguntas típicas: "Estás bem? Hoje não estás bem, pois não? O que é que se passa?" E não queria isso. Queria que se divertissem sem aquele corpo ali a pesar. E ela sabia que um elemento que não estivesse bem, pesava num grupo. Ela pesava.
Mas o telemóvel tocava, ora para ouvir vozes, ora para ler palavras e lá decidiu sair. Afinal, o que iria ficar a fazer sozinha numa noite de fim-de-semana? Perguntava-se, porque era isso que era costume ser dito pelos outros. Saiu.
Conseguiu disfarçar e até muito bem. Ninguém diria que aquelas larachas, aquelas piadas, as conversas divertidas vinham da mesma pessoa que, por dentro, estava no exacto extremo oposto. "Quando quero, sou uma excelente actriz" Sempre lhe disseram que tinha jeito para o teatro. Ali estava a prova. Mas o teatro é o teatro e aquilo era vida real. E na vida real detestava mentir e detestava mentir a si mesma. Não queria continuar com aquele papel. O estômago começou a encolher, o peito a apertar, a garganta a sufocar e partiu. Não partiu com aquele grupo para o local onde foram a seguir. Partiu sozinha. Despediu-se com um sorriso radioso, mandou mais uma piadola para o ar e mal se virou para descer a rua, o semblante colou-se ao seu estado interior, à sua alma. Tinha feito o seu papel, não tinha incomodado, preocupado ninguém.
Desceu uma rua, virou à direita, depois à esquerda, seguiu em frente, atravessou a estrada, seguiu em frente mas não voltou à esquerda para o estacionamento onde tinha o seu carro. Continuou a descer, a descer, a descer... Não queria estar com ninguém, ver ninguém. Porque é que não fez o que tinha pensado horas antes. Ficava em casa e pronto. Não teria de passar por aquilo. Mas saiu e não queria voltar para casa. O céu estava coberto, havia muita humidade no ar e uma gotícula mínima de água caiu-lhe na face direita. Mas estava uma temperatura agradável. Sentou-se no chão. Acendeu um cigarro, encostou-se à parede, colocou os fones e ouviu a música que, em tempos, havia dedicado a uma das suas duas grandes amigas.

Well I couldn't tell you why she felt that way,
She felt it everyday.
And I couldn't help her,
I just watched her make the same mistakes again.

What's wrong, whats wrong now?
Too many, too many problems.
Don't know where she belongs, where she belongs.
She wants to go home, but nobody's home.
That's where she lies, broken inside.
With no place to go, no place to go, to dry her eyes.
Broken inside.

Open your eyes and look outside, find the reasons why.
You've been rejected, and now you can't find what you left behind.
Be strong, be strong now.
Too many, too many problems.
Don't know where she belongs, where she belongs.
She wants to go home, but nobody's home.
That's where she lies, broken inside.
With no place to go, no place to go, to dry her eyes.
Broken inside.

Her feelings she hides.
Her dreams she can't find.
She's losing her mind.
She's fallen behind.
She can't find her place.
She's losing her faith.
She's falling from grace.
She's all over the place!

She wants to go home, but nobody's home.
That's where she lies, broken inside.
With no place to go, no place to go, to dry her eyes.
Broken inside.

She's lost inside, lost inside.
She's lost inside, lost inside.

(Nobody's Home - Avril Lavigne)

Hoje a música era para si. Era sua. Hoje era na sua alma que se reflectia de forma lacinante e certeira. Mas não chorou. Às vezes parecia que tinha perdido essa capacidade. Mas chorar não implica uma tradução no cair de lágrimas e ela sabia-o muito bem. Não estava a representar, não estava a ser actriz. Simplesmente não conseguia chorar.

4 comentários:

Anónimo disse...

Se calhar mais valia mesmo ela ter ficado em casa pq assim so se foi martirizar.

Anónimo disse...

E quando se chega ao ponto de já n se conseguir verter lágrimas é pq a situação é mesmo mto pesarosa.

Um beijinho a essa rapariga.

Anónimo disse...

Muito triste. :-(

Anónimo disse...

Ela pode ser muito boa actriz mas tu não és. Atrevo-me mesmo a dizer que és péssimo actor. Os teus olhos não enganam e isso vale mais do que qualquer Óscar, César, Emmy, o que for.