Estava numa reunião de trabalho. Enquanto rabiscava a sua próxima tatuagem e outras linhas saídas da sua caneta preta, os outros falavam cheios de verdades que o podiam não ser. Não passavam já de sons, ora mais longe, ora mais perto. Sons que se misturavam na sua cabeça com uma melodia da Bjork.
Já estava farto daquilo. Sempre o mesmo. Todos os finais de ano o mesmo. Tanto trabalho ao longo do ano para quê? O que é que ele estava ali a fazer? O que é que andou a fazer durante todo o ano? Qual o sentido daquilo tudo se depois passavam os miúdos quase todos apelando a pretextos absolutamente extraordinários direccionados por uma entidade, supostamente, douta e superior. As familias, as necessidades educativas, os planos, as idades, os resultados da União Europeia, etc, etc, etc. Qual era o papel de professor, hoje em dia? Qual era o seu papel? O ano tinha corrido bem e agora voltava tudo ao mesmo. Transitam os que sabem e os que não sabem. Transitam os que se esforçam e os que apenas marcam presença, como se vasos de plantas se tratassem. Porque é que não passam logo todos de uma vez e pronto?! Sucesso a todos os níveis! Menos aos níveis que mais importam.
Ele já tinha dado a sua opinião e já sabia a dos outros. Há meses que sentia a revolta dos colegas. A revolta a conviver com eles e a brotar deles. Uma revolta a que já se estavam a habituar, infelizmente. Era assim quase diariamente. Um baixar de braços.
Abstraiu-se. Sempre soube que as verdades de hoje são as mentiras de amanhã. E nesta profissão isso é tão, mas tão nítido. Pensou chegar a casa e escrever um post sobre a situação do ensino no seu país. Não o fez. Iria ser necessário um blog só para isso. Um blog que se traduziria numa farta cabeleira branca, uma úlcera nervosa e mil rugas de expressão. Não, não ia entrar por aí.
Continuaria a lutar como podia, continuaria a fazer o papel que há anos resolveu encarnar em sala de aula quando escolheu esta profissão fascinante, continuaria a tapar buracos nas múltiplas mantas emanadas pelos ditos superiores, continuaria a ser o mais justo possível para os colegas, para os alunos, logo, para consigo. Os sorrisos dos alunos, no final do ano, mostravam-lhe muitas coisas. Sabia que fazia bem o seu papel. E isso era tão, mas tão bom. Isso valia-lhe muito mais do que os zumbidos que agora ali ouvia.
Olhou pela janela e lá ia um grupo de alunos a sair da escola. Uma aluna olhou para cima, para a janela, sorriu-lhe e acenou-lhe um adeus. Os outros fizeram o mesmo. Um deles gritou: "Boas férias, stôr. A ver se é nosso para o ano. Veja lá!" Isso sim era importante.
Lamentava o que ouvia naquela sala e lamentava saber que os que ali estavam também sentiam esse lamento. Eram tão bons profissionais... mas sentiam-se impotentes.
E surgiu-lhe na cabeça: I'm most ignorant of what i am most assured.
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7 comentários:
gqQuantas vezes já não discutimos esse assunto e, infelezmente todos os anos a história é a mesma. Mas efectivamente é nesses pequenos gestos que temos de buscar a força para continuar.
Esta coisa da educação faz-me passar, porque tenho pais professores e porque a minha mãe, em particular, sobe pelas paredes quase todos os dias com coisas que acontecem no nosso sistema de ensino e coisas que a obrigam a fazer. Por um lado, há coisas que têm que mudar, e como em qualquer profissão, há professores que não são bons profissionais e têm que ser avaliados e até expulsos do ensino. A juntar-se à incompetência de muitos, há o não querer trabalhar, o deixar os meinos fazer o que querem, sem ensinar, sem perder muito tempo ou ter muito trabalho. Eu dei aulas apenas um ano e constatei situações de professores que para não fazerem um relatório a justificar o porquê de darem mais de 50% de negativas na sua disciplina, resolveram passar os meninos que estavam com uma negativa alta!! Eu dei mais de 50% de negativas na minha disciplina, justifiquei e não tive qualquer problema. E mesmo que tivesse que ir a mais reuniões, em resultado de recursos, eu ía. Mas não ia era levantar notas assim, estilo palhacinha!! E acho que se todos os professores se unissem e pensassem assim, a coisa poderia mudar. É uma questão de corporativismo, como fazem os médicos.
Depois, há toda a questão do ensino que não está organizado, não é producente, não investe em conteúdos reais e necessários, mas sim em parvoíces como o inglês no primeiro ciclo, quando os miúdos nem falar português ainda sabem!! Os professores não são colocados, as turmas são enormes, os níveis de aprendizagem são diversos dentro de uma sala de aula, muitos dos conteúdos são perfeitamente desadequados da realidade e das necessidades... e a ministra da educaçaõ actual é, de facto, um ser abominável. Irrita a voz, o conteúdo das suas palavras, a falta de visão ... E de pensar que a senhora é Socióloga!!!
Nem me digas nada sobre a educação no nosso país. Vou até à ponta dos cabelos com as coisas que ouço.
Estamos a criar um monte de gente inculta, desinteressada e desinteressante.
Não desistas. Mantém-te fiel aos teus principios que não são de ignorante.
Um beijo.
A frase final dá muito que pensar. Temos tantas certezas na vida e a qualquer momento tudo se vai, tudo se perde e sentimo-nos completos ignorantes. Somos ignorantes cheios de certezas? Uns sim, outros não. Tu, não me parece.
Sim é a opinião dos alunos o que mais interessa.
No meu tempo não havia professores assim. lol
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