Tempo+tempo+tempo... (2)

Agora sentia-se árido, seco, vazio, um clima desértico com grandes amplitudes térmicas diurnas. Ora com um calor imenso, sufocante, delirante, cego e doentio, ora com um frio intenso, ferino, atroz. Desequilibrado, desconcertado, ora num pico, ora noutro, mas numa paisagem vazia e descredula sem fim.
“Quem disse que o Sahara é o maior deserto do mundo é porque desconhece o que trago aqui dentro de mim”, pensava.
O deserto tem oásis, água aqui ou ali. O deserto dele, não. E essa esperança tinha-a perdido. Era deserto, assim seria e tinha de viver com essa paisagem. Não era comodismo, conformismo, era ter a coragem, difícil, de encarar a vida assim. Encarar que até os últimos cactos irão morrer. Encarar que as lagoas, sem a chuva que outrora as sustentou, vão secar. Encarar que as palmeiras, sem o esforço de quem as regue, irão fenecer.
O telefone tocou.
- Oi.
- Hello, Sunshine. How are you?
- Stop it.
- Não gostas que fale inglês? Já podias ter dito. Sorry. É o hábito de anos.
- Não é isso. É isso do Sunshine. Não ligues, é que estava a pensar no clima, no tempo, coisas assim....
- Clima e tempo não são a mesma coisa?
- Não, mas esquece isso agora.
- Ok, depois explicas. Ainda tenho muito que saber de ti e tu de mim, não é? Estou desejoso de mais umas horas a conversar...
- Pois... Depois explico a diferença. É simples. Nada mais simples.
- Eu estava farto de chuva, odeio.
- Eu também um pouco porque me chateia conduzir com chuva, mas adoro chuva.
- A sério? Bem, quer dizer, eu também, mas em casa, no quentinho a ouvir a chuva a cair lá fora. De preferência com a melhor companhia possível, né?
- Não, eu gosto de chuva quando ando na rua.
- Estás a gozar?
- Não.
- Bem, mas esquece lá isso da chuva porque agora está um sol lindo e vai estar assim nos próximos dias. E como eu adoro o sunshine... que tal vires passar o fim-de semana comigo?
- Tenho coisas para fazer.
- Não sejas assim. Vens. Vá, vem lá. Diz que sim. Podemos fazer montes de coisas ou só descansar. Fui comprar coisas.
- Quais coisas?
- Para nós, claro. Vá lá, anda. Eu vou chatear-te até vires.
- Não faças isso, andas com muito trabalho, precisas de um fim-de-semana animado e eu estou um deserto e tenho trabalho e cenas para fazer.
- O quê? Deserto?
- Onde é que imaginas muito calor e um sol abrasador?
- No deserto? É isso?
- Sim. Pois eu estou assim. Pronto, um sunshine dos desertos.
- Tu...
- Muita areia, um calor horrível e insuportável e logo a seguir, cai a noite e fico um frio horroroso de fugir. Not a good company.
- I don’t care how you are, it´s you and it´s good to me. I’ve waited, i’m waiting for you.
- Vá, agora não posso falar, depois falamos.
- Espera, espera. Vem lá. Eu adoro desertos.
- Sim, monótonos, iguais, pouco tempo depois insuportáveis.
- Não. Os desertos mudam constantemente de paisagem, as dunas... são uma constante surpresa e, no entanto, não deixam de ser o que são.
- Vazios.
- Nada disso. Eu já fui ao deserto e sei.
- Mas têm tempestades e à noite o frio é muito. É muito desagradável. E eu estou assim. Noutra altura falamos, boa?
- E tempestades não dão luta? Adoro. E o frio o que é que tem? Há sempre alguém que aqueça quem tem frio, não? Eu sou quentinho, já sabes.
- Sim, mas os desertos cansam. É tudo muito bonito no início mas depois... um verde seco aqui e ali... e depois há aqueles que nem oásis já têm. That´s me, this moment.
- Deixa-te de coisas. Eu rego. Eu chamo a chuva. Vá, vem lá. Eu faço o que tu quiseres, mas vem. Falamos melhor nisso e vai ser giro, vai ser bom, vais ver. Vais ver que ainda sais daqui a ser a Amazónia.
- Credo, isso é muita água.
- Então não és tu que gosta de chuva? Vá, give me a chance, vem. Podemos ir passear, sair, ir ao cinema, jantar fora. Eu faço uns pequenos almoços óptimos. Que tal? Oh chuva, oh chuvinha...
- Oh homem, tem lá calma com isso. Tu estás muito certo e não pode ser. Calma. Nem o clima é certo. Nem 30 anos chegam para se ter a certeza absoluta. Nós mudamos, evoluímos. Os elementos climáticos são os mesmos mas vão e vêm conforme... e os factores climáticos... há os factores que influenciam. E eu sou um rapazinho muito influenciável pelos factores climáticos.
- Não percebo nada. E essa dos 30 é comigo? Posso não perceber muita coisa, mas tenho 30 anos, não sou novo, sei o que quero, como quero. Sei o que é.
- Nem o clima já se sabe o que é.
- Olha, falamos disso a beber vinho e amanhã, esteja chuva ou sol, um english breakfast. Já comprei tudo. Estou à espera.
- Vai esperando.
- Já esperei muito, não me importo de esperar mais. Mas não vou esperar. Já te ligo outra vez.
Desligaram.
Sorriu, mas um sorriso triste. Um misto de não querer e não conseguir ver verde no horizonte do deserto. Não sentia qualquer percentil de humidade, nem queria. Sentia-se ora quente, ora frio, mas árido. O clima é o que é. São precisos muitos e muitos estados do tempo para que o clima mude. Seriam precisos muitos e muitos estados do tempo para que mudasse o seu sentir. Ele não queria o vazio, não queria o deserto, mas sabia que, tão cedo, nenhuma planta ia em si nascer. Talvez nunca mais. Era viver com isso e ter esperança de ser feliz assim. A esperança de ser novamente tocado pela chuva.

6 comentários:

Anónimo disse...

Cansei-me de escrever no outro post e agora não me apetece mais ... gosto do fim deste raciocínio relações humanas/estados de tempo

Anónimo disse...

A dificuldade de deixar o passado e o medo do que o futuro nos reserva. É compreensível quando a dor já nos atingiu de forma mto forte.
Fica-se agarrado ao que se viveu, na esperança que só faz sentido quando se luta para voltar a ter, por outro lado não se quer algo novo com medo de se voltar a sofrer.

Anónimo disse...

Devia arriscar, ir passar o fim de semana.
Esta pessoa deve abandonar por completo o passado, riscá-lo da sua vida de ora em diante e viver o futuro, sem qualquer réstea do que viveu outrora. Só assim vai conseguir.

Anónimo disse...

Como vi o nº2 fui ler primeiro o nº1 e deixa-me dizer-te que são dois textos excelentes só possíveis de serem escritos por alguém que já passou por bastante e um bastante com mtas feridas. Essa é a parte triste.

Concordo com o anónimo, ele (ou tu, porque nunca sei bem se são histórias reais ou ficcionadas) devia ir passar o fim de semana e tentar superar os medos que o assombram.
Passado é passado e só faz parte do presente e futuro se se quiser.
É complicado caminhar em frente quando há assombrações que nos acompanham, medos que não queremos sentir, pessoas que nos fazem sofrer.
Tens q conseguir afastar de ti por completo quem te fez sofrer, essa pessoa n merece o q for de ti. Tens q acreditar q há quem valha a pena e o q passou n vale mm.

Anónimo disse...

Venho aqui algumas vezes, não comento porque apenas gosto de acompanhar o que vais escrevendo, mas agora não posso deixar de dizer isto:

Tu és uma pessoa maravilhosa que deixou entrar na sua vida uma pessoa que, senhora da verdade e superioridade, te usou e humilhou, maltratando-te constantemente, fazendo-te minguar e secar ao longo do tempo. Foste perdendo um brilho que te caracterizava, uma energia imensa, foste-te apagando e em vez de apoio ainda foste mais deitado abaixo.
Esquece. Avança para outro caminho. Ele não presta. Deixa florescer em ti quem eras e, no fundo, és.
Afasta-te da erva daninha o mais que puderes.

TheTalesMaker disse...

Mas tu foste ao "Deserto".
:)