Cinzento

És um triste. Não gostas de cinzento e dizes-me isso assim? Eu não sabia. Foi preciso passarem semanas desde aquele dia em que te ofereci o cachecol cinza e as blusa cinza para me dizeres isso. Que não gostaste porque não gostas de cinzento. Que não usavas e nem ias usar porque não gostas de roupa cinzenta. Dizes-me isso assim, naquela situação? E ainda dizes que eu devia saber e que jamais te deveria ter oferecido aquilo. Devia saber? Sim, não tinhas roupa cinzenta no roupeiro, mas a quantidade de cores lá dentro era tal, eu ia lá reparar que não havia nada puramente cinzento. Só porque me casei contigo já tinha de saber tudo, tudinho sobre ti? Não. Nunca me havias dito que não gostavas de vestir roupa cinzenta. Sempre te vi com todas as cores. Sabes o quanto em pensei no que te ia oferecer pelos anos? Pensei, pensei, pensei e fiquei toda feliz da silva pela surpresa. E dizes-me tanto tempo depois que não gostaste nada daquilo? Daquilo? Eu tinha adorado oferecer-te aquilo! Nem foi o teres dito. Pronto, não gostas, não gostas e prefiro isso do que fingires que sim. Foi a forma como o fizeste. De cigarro altivo, quase tanto quanto a tua pose, fizeste questão de demarcar um nítido “Detestei!” Porque é que fazes sempre questão em agir assim? Dá-te prazer é? Gostavas de me ferir, dava-te um certo gozo, não era? És um triste.
E agora vejo-te sentado naquela esplanada todo de cinza vestido. Da cabeça aos pés. És um triste.
E no ano seguinte, lembras-te? Liguei-te para França para te dar os parabéns, com pena de, por causa do trabalho, não estarmos juntos, não estares com os miúdos, e tu desatas aos berros porque estavas a conversar com um suposto amigo e o telemóvel interrompeu. Eu era a tua mulher, porra! Eu a contar os minutos até à meia-noite e tu depois ainda dizes que não querias o teu dia de anos estragado por minha causa.Esse amigo não podia esperar uns segundos? Não podias falar com ele mais tarde? Nunca mais o ias ver, por acaso? Eu eu era o quê? Nós éramos o quê para ti, afinal?
Eu sou aquela que estragou o dia mais feliz da tua vida. O dia em que te aceitaram no novo departamento lá da empresa. Engraçado, nunca referiste como dia mais feliz da tua vida, nem lá perto, algum dia em que algum momento fosse passado comigo. E a forma dramática e acutilante como o disseste? Adoraste aquele momento em que sabias estar a fazer-me sentir mal, não foi? Eu, que devia amar-te, estraguei o dia mais feliz da tua vida. Pensei que esse fosse outro, mas não. Muitos outros dias dos quais eu não fiz parte. O trabalho, o cinema, os concertos, sempre estiveram à minha frente. És um triste.
Aproveitaste eu ter ido com os miúdos visitar os meus pais para te meteres na cama com um homem. Um homem? Para que é que te casaste comigo? Foi uma fase, um processo, uma aprendizagem? Poupa-me. És um triste.
Queres agora que eu vá com os miúdos aí a casa, a essa casa, para conhecer esse tal Artur? Ou é Luís? Já não sei qual é deles todos, nem me interessa. É um a quem espero não digas as mesmas coisas que me disseste e como as disseste. Um a quem espero dês mais importância e atenção. Um a quem possas agradecer presentes, parabéns e com quem passes os dias mais felizes da tua vida. Eu não soube fazer as coisas, fiz tudo mal mas tentei fazer.
Não, não vou. Queres celebrar mais um dia feliz da tua vida, a união com esse tal, então ainda bem que vais aí ter todos os teus amigos e familiares porque eu não vou estragar a festa. Não quero estragar outra vez mais um “dia mais feliz da tua vida”. E veste-te de cinzento. Nem tudo é preto e branco. És um triste.

6 comentários:

Anónimo disse...

É preciso um grande descaramento. O gajo é homossexual, engana a mulher e ainda a convida para celebrar a sua união com outro. É mais do que triste. Só se ela fosse mesmo louca é que iria.

Este texto vem a propósito do quê?

Anónimo disse...

Este tipo ou é a insensibilidade em pessoa, ou é um absoluto idiota.
Mesmo que não fosse feliz num casamento heterossexual (onde nem se devia ter metido porque está em jogo a vida de outra pessoa) nada justifica tais atitudes.
Mulher, manda-o pastar ervas para bem longe.

Anónimo disse...

Nem sei bem o que dizer... impressionante talvez.

Anónimo disse...

É muito triste quando se casa para ter uma vida "normal" em vez de se assumir a sexualidade q se tem. Sofre-se e faz-se sofrer.
Hoje me dia não se deviam justificar tais atitudes na vida.

Anónimo disse...

Gostei da analogia preto/branco e cinza à situação em causa. Tal como a ex-mulher desse fulano, nem tudo é branco e preto e cada vez mais me convenço que não existe mesmo nitidamente um e outro. Ao invés, creio que as tonalidades de cinza são cada vez mais e mais diversas.
Em tempos criticaria de modo ostensivo a atitude desse gajo em ter assumido uma relação hetero ficticiamente. Hoje creio que, pese embora ela (a ex-mulher), tenha razão nos aspectos referidos, não posso de modo algum condenar alguém à partida. As pessoas mudam muito ao longo da sua vida e ninguém garante poder ter uma sexualidade definida deste um início que impeça tal situação. Na verdade, a verdade que nós somos pode mudar com o tempo e revelar-se-nos díspar daquilo que foi um dia; se houver coragem de assumir isso contra tudo e todos e em favor da "verdade" sentida num determinado momento, acho que também terá o seu mérito.
A sexualidade humana é em si mesma complexa e a orientação sexual poderá não ser taxativa em todos os casos. Além de tudo isto, cada vez mais acredito que nos apaixonamos pelas pessoas e não pelo sexo destas.

Isto talvez te vá soar muito estranho, mas acredita que é exactamente o que penso actualmente. Talvez a minha visão actual da realidade seja outra porque também eu sou outro.
E ... ela está certa ... talvez nada seja mesmo branco e preto, embora por comodismo ou convenção tenhamos de nos cingir a uma ou outra coisa e nós somos tão mais do que uma tabela de classificação rígida. Há o risco de sermos todos excepções.

Anónimo disse...

Se alguém me fizesse isto eu passava-me a sério e mandava-o precipicio abaixo. Isto n se faz, n se diz.