- Oi.
- O que é que estás aqui a fazer?
- Vim ter contigo.
- Como é que sabias que estava aqui?
- Sabia.
- Ah, não me digas que é aquela coisa linda dos filmes em que o casalzinho tem um sitio só deles... uau!
- Não é nada disso.
- Ah, é que isso não existe... não existia entre nós. Não havia lugar nenhum especial, essa treta dos filmes.
- Cama? (risos)
- Parvo. Não, claro que não. Esse é o lugar que todos os casais dizem ser especial.
- Isso é por razões óbvias, pelo sexo, ora!
- Não me parece óbvio, parece-me banal.
- Pois, então nós éramos banais, que alivio.
- Não, não éramos. A cama era especial mas não só pelo sexo.
- Pois... e estás bem?
- Estou. E tu?
- Também.
- Ok, que bom para ti. E porque não estás na festa com o teu amado?
- Eu estou com o meu amado.
- Onde? Olha, escusas de trazê-lo para aqui, ok? Dispenso qualquer contacto com essa figura. Já ter-lhe dado um aperto de mão foi muito. Por que raio é que me apresentaste o gajo? Que nervos!
- Porquê?
- Não te faças de parvo. Esse tipo de perguntas não funcionam entre outros. Entre nós é só para fazer conversa e, sobretudo, para ouvirmos o que já sabemos. Sim, mas odiei apertar-lhe a mão. Fui logo a correr lavá-la. A sério, que raiva! Vá, vai lá ter com o teu queridinho, agora. Deixa-me aqui sozinho.
- Queres estar sozinho?
- Sentia-me mais sozinho lá dentro rodeado por aquela gente toda e por vocês pombinhos tão cheios de sorrisos um com o outro. Aqui estou melhor. Respiro melhor. Custa-me menos.
- E se eu ficar aqui contigo, ajuda?
- Ajuda e não ajuda.
- Porquê?
- Outra vez? Sabes bem porquê. Vá, pisga-te, vai lá para dentro. O outro já deve andar à tua procura. Vai lá ter com o teu amorzinho.
- Eu estou com ele, já te disse. Estou aqui contigo.
- Estás a ver? É por isso que isto tudo é uma merda.
- Eu sei, mas temos de ser racionais.
- Bardamerda para a racionalidade. Como se as coisas fossem assim. Oh que lindo, lê-mos uns textos, ouvimos umas opiniões, interiorizamos que ser racional é ser mais adulto e pronto, somos racionais, adultos e pronto, está resolvido.
- Eu sei. Mas pronto, eu disse-lhe que vinha ter contigo.
- Que viste ter com o amiguinho, com o ex, foi isso?
- Ele sabe o que tu és para mim. Eu contei-lhe tudo, inclusivé que ainda te amo.
- E ele?
- Ele sabe e aceitou ter uma relação comigo assim. Ele diz que me ama, eu acredito e sinto-o. Ele sabe que eu não o amo, mas chega-lhe que eu goste muito dele.
- Que coisa mais linda! Claro que ele tem esperança que tu o venhas a amar. E o mais certo é vir a acontecer. Que bela história de amor para contarem aos vossos filhinhos.
- Não sejas assim.
- Sou. Não amas ainda mas vais amar e vão casar e vão construir a casa que era para ser nossa e ainda vão ter os filhos que eram para ser nossos.
- Que filmes tu fazes.
- É claro que ele aceitou porque tem esperança que o ames, ora!
- Nunca como te amo a ti.
- Pronto, estás a ver? Chega. Vai lá ter com quem te ama.
- Eu estou com quem me ama, parvo.
- E o outro não te ama? Na volta ama-te ainda mais do que eu, ora!
- Não, não ama.
- Sabes lá tu isso. Isso não é assim...
- Sei. Essas coisas sentem-se.
- ...
- E ele sabe que somos amigos e que assim queremos continuar.
- Pois, então ele é cego.
- Porquê?
- Outra vez? Por razões óbvias. Amigos? Nós não estamos aqui com conversa de amigos, ou estamos?
- Mas é porque calhou. Porque outras vezes falamos de tudo.
- Como sempre falámos.
- Sim, e isso podemos manter entre nós. Gosto tanto de falar contigo. Há conversas que só nós temos.
- Ah claro, e quando o outro chegar ao pé? Eu bazo.
- Mas ele não tem de se chegar ao pé. Não tem de estar presente.
- Ui, que maravilha! Amigos às escondidas. Amigos a fingir que o namoradinho de um não existe. Então não é normal que alguém fale do seu namorado, do seu companheiro, aos amigos? É. E eu não quero que me fales dele. E escusas de me convidar para os teus anos porque eu não vou com ele lá.
- Vais-me fazer isso? Então que raio de amor é esse que tens por mim se nem aos meus anos vais?
- Paciência. Amo-te o suficiente para não querer que não estejas bem nesse dia. E comigo lá não estarias.
- Claro que estaria. Mais do que sem ti.
- Desculpa mas não vou. Ele a oferecer-te uma prenda, a dar-te um beijo, ali ao teu lado sentado, não... não vou. Não consigo.
- Eu sei. Mas ele não te fez mal nenhum. Até ias gostar dele.
- Não, não ia e não irei, acredita. Ele existe, é o suficiente para lhe ter um pó daqueles. Não é a pessoa em si, é o que ela representa.
- Entendo.
- Entendes? E essa racionalidade? Eu odeio-o, odeio ver-vos juntos, odeio saber que é ele que vai ter contigo, que é ele que anda no meu lugar do carro, que se senta naquele sofá, que usa aquela cozinha, que dá comer aos pássaros, que se estende no terraço, odeio tudo isto. Ele está no meu lugar, está a substituir-me...
- Tu és insubstituível. Por isso estou aqui e não lá dentro com ele. E olha que a música está fixe, está lá o pessoal todo e...
- Insubstituível? Nota-se. Ele só não veste as tuas roupas porque é um esqueleto vaidoso, senão...
- Vaidoso é que ele não é. Ele é muito simples.
- Pois, pior ainda. Odeio gente simples.
- Ai tu!
- Imagino as coisas lindas que dizem um ao outro...
- Não não digo. Ele diz mas eu não consigo. E isso até me incomoda. Porque eu não retribuo, porque sei que ele acaba por ficar à espera de palavras bonitas. E incomoda-me porque penso logo em ti.
- Então porque estás com ele. Se não o amas, se não te sentes bem...
- E querias o quê, porra? Que eu ficasse eternamente à tua espera? Que nós mudássemos para podermos ficar juntos? Há uma coisa que se chama solidão e essa coisa é a pior que se pode sentir. Tu conheces-me, eu preciso de um companheiro, de alguém a meu lado com quem partilhar o dia-a-dia, a vida. Não quero estar sozinho, viver sozinho, morrer sozinho. Queria que fosses tu. Sabes o que me custa saber que quando morrer não és tu que estarás a meu lado. E mesmo que estejas lá, não é a mesma coisa, não é contigo que termino o meu caminho. Percebes? Sim, arranjei alguém, sim. Estou a tentar. Não sou feliz como gostaria mas sozinho era mais infeliz. Estou a tentar, a agarrar-me a alguma coisa para me aguentar, para ver uma luz mínima que seja, para não parar. E tu também vais arranjar alguém. E achas que isso não me dói? E eu sei o que sinto por ele, não sei o que tu irás sentir por outro. Isso dá cabo de mim. Eu amo ser amado por ti, sabias? Não imaginas o valor que isso tem para mim. E tenho medo, tanto medo que deixes de me amar. Saber que algures estás tu e que me amas dá-me força, sabias? Não estamos juntos mas faz-me tão bem saber-me amado por ti quando me deito todas as noites.
- ... Vá, vá, menino, nada de lágrimas e nervosismos. Seja racional. Nada de emoções, ai!
- Ai que parvo. (risos) Olha, amo-te.
- Cala-te. Não digas isso. Estás a ver? Assim como é que conseguimos fazer isto? Como é que podemos levar isto em diante?
- Levando.
- Uau. Simples como tudo.
- Olha, sabes que mais? Antes que te espete um beijo nessa boca, vamos mas é para dentro dançar, estar com o pessoal e beber até cair para o lado.
- Ya, fantástico. Poupa-me. Beber para esquecer tudo... amanhã volta tudo ao mesmo.
- Não, para voltarmos para aqui e fazermos o que me apetece.
- O quê?
- Fodermos. (risos)
- Aqui? Estás parvo? ...Bem...
- Ahhhh, estás a ver? Bora? (risos)
- E é preciso beber para isso?
- Não e sim.
- Desculpa?
- Como se não soubesses! Agora digo eu. Não, porque sem álcool já estou com uma vontade de te comer de ponta a ponta. Sim, porque assim me vou sentir menos mal.
- Ai que lindos amiguinhos que nós somos, não haja dúvida. Tu és louco, sabes?
- Sei. E agora estou louco mas é por outra coisa. Ah, e tu também. (risos)
- Não estou não senhor, meu menino. Isso é que te enganas.
- Ah isso é que estás. Eu bem te conheço. E deves achar que eu nunca mais vou meter o dentinho em ti, não? Achas que vou estar o resto da vida sem nunca mais te beijar, sem nunca mais te sentir? Era o que faltava.
- Afinal, tu és meu amigo ou és amigo do teu namorado?
- Não percebi.
- Claro que percebeste.
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8 comentários:
Fabuloso. Um extraordinário jogo de palavras só possível entre quem conhece tão bem o outro.
Parece que estou a ver os dois sentados lado a lado nesta conversa que tem tanto por explorar. Esta conversa dava pano para mangas e muito pano.
Só não percebi porque é que não estão juntos, porque é que acabaram o relacionamento. Qual é a lógica disso se se amam como se amam? Será que são mais felizes agora? Não me parece.
O final é lindo: "és meu amigo ou amigo do teu namorado?"
Só não acho este diálogo perfeito porque tenho pena do namorado que está lá dentro e prestes a ser traído e porque estes dois deviam estar juntos.
Parece-me óbvio que não sendo um casal, estes dois homens não conseguirão ser os tais amiguinhos do título. Amam-se demasiado para isso.
Um documento de análise notável este.
Parabéns muito sinceros.
Voltarei aqui com certeza.
É daqueles textos que tu escreves que me deixa sem palavras, sem conseguir quase pensar, tanta é a informação, tanto é o que me faz pensar, tanta é a complexidade e, ao mesmo tempo, simplicidade.
Tu tens mesmo que ter um QI muito elevado.
Tocas no âmago mais profundo das relações humanas mais importantes.
Excelente.
Eu acho que era capaz de namorar com alguém que amasse mas que não me amasse. Eu faria tudo para que me viesse a amar.
Acho que preferia isso do que estar na pele destes dois.
Como não sei falar sobre estas questões porque me aborrecem ... acho interessante o comentário do rui
Só um sorriso!
Às vezes, há caminhos que não podem ser percorridos, sob pena de nos perdermos do essencial: amizade? amor? paixão? O melhor é seguir por outro caminho! Mesmo na ficção (da vida).
Abraço!
Vidas mesmo muito complicadas.
:S
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