Tesouros e Piratas

Marcou tomar um copo com uma amiga. Lá foi. É daquelas amigas com quem muito esporadicamente se encontrava mas quando a encontrava era como se estivesse estado com ela no dia anterior. Não por não terem grande coisa para contar, nada para conversar, mas porque sempre gostaram imenso um do outro, sem precisarem de estar constantemente juntos. Havia um grande "há vontade" entre eles. E sempre tinha sido assim desde o início, já lá iam vários anos. Uma amiga com tantos amigos tão próximos, daqueles com quem se está com frequência, e que o tinha escolhido a ele para ser o pai de uma sua filha. Lembrava-se tão bem do dia em que ela lhe fez a proposta, quase em jeito de informação. "O relógio biológico começou a falar mais alto e quero, quero muito ser mãe, ter uma filha. Fiz uma lista enorme e só podes ser tu o pai. És tu e acabou-se!"
Ligou-lhe. Não sabia onde era o bar. Sempre teve esse problema. Passava e parava naquelas ruas há anos e nunca decorava nomes de bares, restaurantes e ruas. Tudo lhe era conhecido, inclusivé o não associar nomes a espaços. Sabia os nomes, sabia os espaços, mas nunca sabia os nomes dos espaços. Despachada e decidida, como sempre, ela explicou-lhe o percurso a fazer. Foi rápido. Lá estava ela com a sua companheira de longa data. As duas e uma amiga. Ela passou-lhe logo 4 caixas de dvd's para a mão e começaram na conversa, como sempre que se encontravam.
Falaram de férias, projectos, dos seus sofás, de viagens, de gatos, de praia, de cidades (espantou-se quando ela lhe disse que não gostou de Paris), de séries de tv, de aulas de ginásio, de relações, do Hitler, de caipirinhas, de cinema... A amiga foi-se, a companheira dormia com a mão no queixo e cabeça encostada à parede e eles sempre a conversar. Havia tanto para conversar e, ao mesmo tempo, pairava a sensação oposta aquela de quem não se vê há meses. Ele gostava disso.
De regresso aos carros, depois de serem convidados a sair do bar pelo tardar das horas, combinaram encontrar-se no fim-de-semana seguinte.
Colocou o ipod, seleccionou uma música da qual tinham falado e dirigiu-se ao seu velho carro. Ia rapidamente para casa ver os dvd's emprestados, até o sol espreitar. Gostava mesmo daquela rapariga e achava tão bonita a relação daquelas duas. Duas pessoas tão diferentes e juntas há anos. Já tinham terminado, em tempos, mas voltaram a juntar-se e assim estavam.
Lembrou-se de algo que a sua amiga, num dos seus encontros ocasionais, havia dito quando a relação entre ambas atravessava uma fase muito complicada, tinha mesmo terminado: "Eu tinha um tesouro em casa e fui-me meter com um pirata! Agora vejo que é mesmo um tesouro. Agora vejo que é esse tesouro que quero. Sou mesmo estúpida! Os piratas fazem tudo para encontrar um tesouro e eu tinha um e não lhe dava o devido valor." Lembrou-se que, na altura, lhe respondeu: "E será que já não o tens? Será que o perdeste mesmo? Se não tens, se perdeste, se o queres, então vai buscá-lo, faz por isso. Ela pode estar muito magoada mas sabe que é o teu tesouro e tu, de certeza, és o dela."
Hoje viu, novamente, que assim era. Lá estavam as duas, tão diferentes entre si, a falar do seu dia-a-dia. Lá estava ela e o seu tesouro.
Sorriu e pensou: "Às vezes, talvez sejam precisas umas piratarias que nos abram os olhos, que nos ajudem a ver o tesouro."

Ferias, trabalho e sonos trocados.

A escola estava quase vazia desde há dias. No máximo uma meia dúzia de pessoas por ali andava de um lado para o outro com papéis, em frente aos computadores, a abrir e a fechar dossiers, a ultimar tarefas... Ele ia hoje começar de férias. Ia. Supostamente ia. Isto porque continuava a ir trabalhar. Quase não tinha tempo para comer (mas também o bar era constituído por vitrines vazias que espelhavam a mensagem "até para o ano". Nem para comer, nem sequer para apreciar um cigarro. Fumava ao mesmo tempo que escrevia, apontava, assinava, arrumava, arquivava. E assim seria ainda por mais uns dias. E não sabia se conseguia despachar-se de tudo. O mais certo era deixar algumas coisas para Setembro. Se não ficasse naquela escola, que sentia como sua há 10 anos, a ela voltaria nesse mês para terminar o que faltava. Estaria ao serviço noutra mas voltava. Não queria deixar trabalho para outro colega. A verdade é que hoje, oficialmente, começavam as suas férias mas ali estava. Faltava sempre qualquer coisa. Ia riscando o que já estava terminado mas faltava sempre qualquer coisa. Lá se ouvia alguém dizer: "Então boas férias, vou-me embora!" Eram cada vez menos ali de dia para dia. Mas não se importava muito com isso. Gostava dos colegas que ali restavam. Passavam grande parte do tempo a trabalhar mas num ambiente de paródia, a mandar bocas divertidas, a rir com tudo e mais alguma coisa. Era bom. Dava para desanuviar um pouco do stress.
Andava cansado, muito cansado. Sempre dormiu pouco. Sempre se deitou tarde. Aproveitava os fins-de-semana para se vingar e acordar à hora que entendesse. Nas férias, aí sim, dormia mais. Tarde se deitava, tarde se levantava. Mas agora ainda não estava de férias e, desde há dias, que se deitava muito, muito tarde. 5, 6 ou 7 da manhã ainda estava de pé, melhor dizendo, sentado ou deitado no sofá da sala. Conhecia bem o seu hábito. O hábito que noutras férias tinha criado. O de se deitar muito tarde, quase sempre com o nascer do sol. Este ano queria que fosse diferente. Queria aproveitar melhor os dias. Mas já estava a ver que assim não iria ser. Ainda não estava de férias, não se podia dar ao luxo de acordar às 2 da tarde e já se deitava depois das galinhas acordarem.
Lá para as 3 ou 4 da manhã, o gato vinha à sala 3 ou 4 vezes e ficava a olhar para ele como que indagando: "Então, não te vens deitar? Quero brincar com os teus pés e depois que me faças festinhas antes de dormirmos. Vá, anda lá!" E só já de dia, com barulho de carros na rua, lá ia ele até à cama. Este ano o hábito veio mais cedo, é um facto. Estava já no seu período de férias mas ainda ia trabalhar. E já se andava a deitar tão tarde. Os gatos já até adormeciam no sofá ou no tapete da sala 1 ou 2 horas antes dele resolver levantar-se. Ela, a moça de 4 patas, ali ficava a dormir profundamente toda a manhã. Ele, o moço de 4 patas, cheio de sono, mas sempre de olhos semicerrados, não muito acomodado ao seu próprio corpo, lá se deixava ficar à espera que o dono se levantasse e, dali a minutos, lhe desse as festinhas já na cama.
E muito poucas horas antes do despertador tocar lá ia ele em direcção ao quarto a pensar: "Amanhã vai ser diferente!" Mas sabia que não iria ser.

Justify My Love

Entrou em casa e vinha com uma fisgada.
Estender-se no sofá a ouvir isto. Para precaver seleccionou o repeat.
Às tantas, escorregou para chão frio. Como o dia estava quente, o chão não estava, certamente, muito frio, mas ele sentiu-o gelado. Ao tocá-lo, um arrepio pelas costas, de baixo a cima, fê-lo inspirar e, por uns segundos, reteve o ar. Expirou. Não abriu os olhos.
Haverá música mais hot? Não. Isto é hot, hot, hot!

No LIDL com o Beckham



Tinha-se tornado um fã do LIDL. Gostava da sensação de andar por ali, naqueles quatro corredores. Uns com prateleiras, cheias de cores, bem organizadas, outros com caixotes de cartão cheios de produtos, a fazer lembrar um armazém... Tal organização devia resultar da falta de espaço, pensava ele.
Achava graça à clientela faunística. Por um lado, as pseudo-tias e seus "piquenos" Bernardos, Zé Marias e Carlotas, todas muito "bem" com imensos telemóveis D&G quase colados à orelha, debaixo de cabelos lisos de raízes pretas mas com montanhas de madeixas ("luzes") de um louro tão artificial que fica quase esverdeado. Um tom que fica lindo com a cor de pele de um dourado excessivo a antever futuras peles com rugas desenhadas na vertical. Para elas os produtos são óptimos, simpáticos, giríssimos e do melhorio. Por outro lado, as familias vestidas de fatos de treino ou calções de praia, a ralhar com os putos Valter, Jéssica Alexandra ou Vanessa Sofia, com as suas belas meias brancas e com toques indescritíveis de telemóveis que são atendidos como se tivessem que gritar para a Austrália.
E a caixa, a caixa era o delírio. As duas empregadas, vestidas de azul, falavam alto, de um posto para o outro, das suas vidas, como se mais ninguém ali estivesse ou exactamente por estarem, gostavam de fazê-lo. Não ia ali assim tanto quanto isso mas uma das raparigas já o cumprimentava com um diferente "Olá, boa tarde!" Aquele "Olá" fazia a diferença. Já tinha reparado que ela era sempre muito simpática para toda a gente mas que não colocava o "Olá" antes de qualquer outra frase lhe sair da boca. Assim que o via, ainda ao fundo da passadeira rolante a colocar as suas coisas, endireitava-se muito, fazia sobressair o peito adornado com um fio de ouro com um bonequito que ela só podia adorar. Enquanto a máquina fazia "beep", manejava o cabelo e olhava-o, ora de lado e rapidamente, ou demorava mais algum tempo para ver se ele retribuía.
Naquele dia, ele reparou que até a colega da caixa ao lado já conhecia a situação. Olhava a parceira de soslaio e sorria de forma divertida, como quem diz: "Estou-te a ver!" Mas a moça do peito empinado não se importava, aliás, ainda fazia pior. "Deseja mais algum saquinho? Este sumo é muito bom. Bebo sempre antes de me deitar. Viu a data de validade dos iogurtes?" E fazia questão de esticar as mãos para que ele visse bem as maravilhosas unhas pintadas com umas flores pequenas amarelitas. Ele sorria, quase com vontade de rir.
Quando arrumou tudo nos sacos... com a ajuda da rapariga, claro, totalmente prestável, já antevia um sonoro suspiro da sua parte, como tinha acontecido da última vez. Enganou-se. Foi pior. Foi mais do que isso. Atrás dele já uma super tia dizia a outra: "Bem, ouvi uma piada giríssima. Sabes qual é o problema da Victória Beckham?" A sensação é de que ficou tudo calado para ouvir a resposta. Incluido ele. "É que está num beckham sem saída!" As tias riram-se imenso. A receptora da piadola exclamou que era giríssima. Os corpos debaixo dos fatos de treino olharam um para o outro sem achar qualquer graça ou sem perceber tal humor. A rapariga dos malmequeres nas unha olha para a colega de caixa, a seguir para ele e diz, ainda mais alto do que falava habitualmente: "Ai, quem me dera estar agora aqui num beco sem saída com uma certa pessoa." E lá veio o dito suspiro ainda mais exagerado.
Ele sorriu num misto de quem sabia que era o alvo de tal comentário e, ao mesmo tempo, de quem se estava a despedir daquele local e não era nada com ele.
Já de sacos em punho, a caminho do carro, pensou: "É engraçada, a rapariga. Tão prestável, toda muito nervosinha. Até acho graça à atitude. Faz bem ao ego. Mas a ver se não piora, senão tenho de deixar de vir cá. Um buraco e atiro-me lá para dentro, para a próxima. Se ela soubesse! Bem, em vez daquele fiozinho de ouro pavoroso e daquelas unhas de teenager, quem devia estar ali, isso sim, era o Beckham. Aí sim, ele que suspirasse, que usasse dez fios de ouro e as unhas como ele entendesse, o telemóvel que preferisse, de fato de treino ou gravata. Isso é que era um belo de um beckham sem saída! E não me importava nada desse beco sem saída."

Who Knew

You took my hand
You showed me how
You promised me you'd be around
Uh huh
That's right
I took your words
And I believed
In everything
You said to me
Yeah huh
That's right

If someone said three years from now
You'd be long gone
I'd stand up and punch them up
Cause they're all wrong
I know better
Cause you said forever
And ever
Who knew

Remember when we were such fools
And so convinced and just too cool
I wish I could touch you again
I wish I could still call you friend
I'd give anything

When someone said count your blessings now
For they're long gone
I guess I just didn't know how
I was all wrong
They knew better
Still you said forever
And ever
Who knew

I'll keep you locked in my head
Until we meet again
Until we
Until we meet again
And I won't forget you my friend
What happened

If someone said three years from now
You'd be long gone
I'd stand up and punch them out
Cause they're all wrong and
That last kiss
I'll cherish
Until we meet again
And time makes
It harder
I wish I could remember
But I keep
Your memory
You visit me in my sleep
My darling
Who knew
My darling
My darling
Who knew
My darling
I miss you
My darling
Who knew
Who knew

Lifelines

Don't throw your lifeline away.

Forever Not Yours

I'll soon be gone...
forever not yours
It won't be long...
forever not yours

Dear Mr. President

Directamente para o Sr. Bush.

O rebanho "Lambe-botas"

Começou a dizer, praticamente sempre, o que, verdadeiramente, sente. E só não o faz sempre porque esse processo evolutivo não se pauta por uma linha rápida ascendente e porque ainda teme envolver-se nos meandros do sofrimento causado a alguém. Ainda sente que é necessário ter cuidado, bastante cuidado. Há uma linha ténue entre o que se diz e como se faz chegar o que se diz. Porque ele, acima de tudo, não suporta sentir-se responsável pela dor de alguém. Talvez algo que ainda tenha de limar em si.
Mas está cansado do conceito de "ombro amigo" não ser para os outros aquilo que ele considera que deve ser.
Quando lhe perguntam algo, ele, cada vez mais, procura responder aquilo que sente que deve responder. E isso é a verdade, a sua verdade. Não aquela que se quer ouvir. As pessoas não querem a sinceridade. Todas admiram este valor e conotam-no como um dos seus preferidos, enquanto qualidade nos outros. É prática comum dizer-se: "Admiro a sinceridade, a honestidade, a franqueza..." Mas a verdade é que, no fundo, as pessoas odeiam a sinceridade. Não sabem lidar com ela.
Ele, cada vez mais, responde com sinceridade. Mas o problema é que isso, muitas vezes, dói. O ser humano, em geral, não gosta de sinceridade. Não está preparado para ela. A sinceridade pode ferir como facas. As pessoas apreciam e sorriem perante a sinceridade que lhes convém e essa, não é a verdadeira sinceridade. Quem a esta, à verdadeira, apela para falar, opinar, agir, é conotado como mau, frio, cruel, menos amigo, menos querido, não amigo. É daqueles de quem não se gosta lá muito ou não se gosta nada. Passa, muitas vezes, por mal educado, alguém com mau fundo, mau feitio, mau carácter.
Mas ele prefere ser assim. A maioria das pessoas, não. A maioria prefere viver rodeada de mentiras, todos os dias. Se a sinceridade fosse uma característica de todos, muitos teriam muito menos amigos. Muitos seriam muito menos queridos. O ser humano vive bem é com a mentira. E isso, a ele, assusta-o, entristece-o. Continua a acreditar que é possível não ser-se assim. Se as pessoas fossem, efectivamente, sinceras, não seria assim, certamente.
Sempre teve, ao longo da vida, pessoas que o consideravam o seu melhor amigo. Sempre achou um exagero, mas sempre assim foi. Hoje, duvida que assim seja. E tem sido tudo tão repentinamente. Não se considera mal educado, grosseiro e tenta não sê-lo. Simplesmente responde aquilo que acha quando é chamado a tal. Mas aquilo que acha, muitas vezes, não é aquilo que os outros querem ouvir. Até nas mais banais curcunstâncias se começou a aperceber disso.

Alguém - Gostas das minhas calças novas, são giras não são?
Ele - Hum, não gosto lá muito.

Ele - A tua atitude não foi nada correcta. Não podia deixar de te dizer isto. As pessoas não acharam nada bonito o que disseste.

Alguém - Hoje o meu cabelo está bem?
Ele - Não está mal, mas acho que ficas melhor com ele mais curto.

Alguém - O filme foi fabuloso, não foi?
Ele - Eu não gostei.

Perante coisas tão simples como estas, ou outras mais ou menos complexas, começou a sentir que alguns dos tais tão seus próximos já não o são tanto assim aos seus olhos. Ele começou a tornar-se uma decepção. E, claro, ninguém lhe diz. Claro, porque é preferível não dizer, é preferível mentir e fingir que nada se passa.
É sempre suposto dizer-se algo como: "Sim, adoro. Claro que estás maravilhosa. Adorei, que coisa fantástica. Agiste muito bem, ora essa! O outro é estúpido, tu é que tens razão." E assim continuava a receber os mesmos abraços, os mesmos olhares, os mesmos sorrisos... todos continuavam a parar para ouvi-lo, continuavam a telefonar-lhe para desabafar, ouvir, chorar, rir.
Continuaria a ser o psicólogo de serviço, o amigo que os outros queriam e adoravam. Aquele que mal se conhece um pouco mais já é um dos maiores amigos. Mas está farto, cansado. Sempre detestou mentiras, sempre. E estas também o seriam. Não magoavam, não feriam, não afastavam, até aproximavam, mas seriam e são mentiras. E é com essas que as pessoas lidam melhor. Pretendem-se amigos "lambe-botas". Amigos que digam e façam o que queremos, não amigos que digam e façam o que sentem. Esses podem tocar lá na ferida, esses derrubam as capas de papel que se vestem, esses têm a ousadia de serem sinceros. "Abusados! Como se atrevem!? Xô, xô... distância! Afinal, que desilusão. Eu a precisar tanto que me encham o ego e vem esta gajo que eu achava tão meu amigo, tão fenomenal e sai-se com esta. Ele vai ver. Para a próxima já não perco grande tempo a falar com ele, jã não o cumprimento da mesma maneira e voltar-me-ei para os outros."
E lá ficam, cheios de risinhos e abraços envolvidos nas suas tão convenientes mentirinhas a encherem os egos uns dos outros. Os verdadeiros amigos, aqueles que nos dizem o que mais queremos ouvir.
Ele acha ridículo, acima de tudo, triste. Triste ver uma sociedade assim. Triste estar rodeado de pessoas que preferem ser assim, ver assim, entender assim.
Talvez as pessoas gostem menos dele. Talvez as pessoas já o olhem com certa desilusão. Talvez já não seja o maior amigo de ninguém, seja isso o que for. Mas prefere ser assim do que ser o melhor, o maior, o ideal, numa realidade feita de capas de papelão, de metiras e falta de sinceridade. Sente que essa realidade não o faz crescer, aprender, pensar e melhorar como pessoa. Se preferem uma mentira, não contem com ele. Esse não é o seu rebanho.

Missing

Like de deserts miss the rain...

Abraço

R - Vá, até amanhã. Dorme bem...
J - Então... um abraço?
R - Sim, não devia?
J - Não é isso. É que tu cumprimentas-me sempre e despedes-te sempre com aperto de mão.
R - Pois, já reparaste, não é?
J - Sim. Ainda hoje chegaste, deste dois beijos a toda a gente e quando chegou a minha vez... esticaste logo o mão.
R - Pois... ficaste chateado? Desculpa. Eu também achei estranho e pensei logo que se ia reparar.
J - Claro que não fiquei chateado. Mas achei estranho, de facto.
R - Pois, desculpa.
J - Qual desculpa, qual quê. Não tens de pedir desculpa. Mas já agora, porque é que fazes isso? É porque nos conhecemos há pouco tempo?
R - Também. Mas não é por aí.
J - Então é por onde?
R - É porque eles são meus amigos e é só.
J - Ah, ok. Eu ainda não sou, percebo.
R - Não é isso, nada disso. É que a eles não tenho problemas em dar dois beijinhos ou um abraço e contigo é diferente.
J - Como assim?
R - Evito... pronto.
J - Oops... ok.
R - Tenho medo.
J - De quê?
R - De descer uma rua para um lugar para onde não devo ir.
J - Pois... E que tal subires uma avenida para um lugar onde queres ir?
R - O problema é esse mesmo. É que quero mas tenho medo.
J - Medo de quê?
R - Medo de sentir mais do que já sinto.
J - Olhe, não seja parvinho e dê-me já um abraço e espete-me dois beijos na cara e até amanhã.
R - Não me faças rir mais. Hoje passei a noite a rir por causa de ti.
J - Sim, eu sou palhacito e como não tenho paciência para aquelas conversas, mando umas bocas e piadolas, o menino tá a ver!?
R - Vá, pára. Pois, já tinha reparado que, às vezes, ficas meio distante, parece que não estás ali. Ok, então mais um abraço de boa noite.
J - Estás a ver... não custa nada.
R - Gosto muito do teu cheiro.
J - É. Eu sou assim cheiroso ao mais elevado nível olfactivo. É perfume misturado com suor do sovaquinho e fumo de tabaco. Muito agradável, de facto.
R - Doido. Tens um cheiro doce.
J - Sim, eu sou uma orquídea perfumada.
R - Nada disso. É um cheiro masculino mas doce. É diferente, muito particular.
J - Eu mesmo. Portanto se gosta, para a próxima não se coíba. Abrace-me e beije-me sem cá medos e coisas dessas, percebeu?
R - Pois, mas é perigoso. Tu és perigoso.
J - Perigoso? Vá, desanda já daqui. Eu sou do pior. Sou um perigo imenso. Cuidado comigo! Andor! Se afaste de mim.
R - Ai tu! Fazes-me bem, sabes?
J - Então!? Sou perigoso e faço-te bem? Ai, decida-se!
R - Sim, fazes-me muito bem. Divertes-me sempre muito, fazes-me rir. Acima de tudo, fazes-me sorrir. Além disso ouves-me, tens-me ajudado mais do que possas pensar. Gosto muito de falar contigo. Sinto-me à vontade, não sei porquê. Quando saio fico sempre a desejar que tu venhas. Chegar lá e ver-te.
J - Mas depois chegas e estendes logo a mão.
R - Desculpa, mais uma vez, desculpa. Mas, como te digo, tenho medo.
J - Não tenhas. Eu não mordo, homem.
R - Tu percebes, não percebes?
J - Claro que percebo. Até estou aqui meio encavacado. Estou é na brincadeira para não tornar isto muito sério e meio pesado. Pronto, tá decidido. Fazes assim: Chegas, cumprimentas toda a gente com dois beijos e pronto. E toda a gente é toda a gente, incluindo eu. É assim que deves pensar e pronto.
R - Pois, mas os outros não são imans aqui para mim.
J - Imans? Como assim? Esta agora! Nunca ninguém me disse tal coisa.
R - Sim... vá, até amanhã.
J - Até amanhã. E sonha com a subida da avenida, nada de descidas de ruelas.
R - Sonho, vou sonhar mas não é com isso.
J - Ooooookay.

You Must Love Me

(Evita)

Stars

Gostava destas miúdas. Achava muita piada ao género de músicas muito delas.
Este é o tema preferido.

Pagan Poetry

Strange World

Ké - I am ( )

Ring, ring.

E porque é que o telemóvel não toca?
E porque é que lá vai à mala olhar para ele, como se não tivesse muito interessado?
E porque é que quase gelou quando achou que o tinha deixado em casa?
E porque é que o telemóvel não toca?
E porque é que quando toca ele se assusta?
E porque é que quando toca não é quem ele queria que fosse?
E porque é que o telemóvel não toca?

Ring, ring... is that you on the phone?

Não, é da tvcabo para marcar a instalação do rooter que dá acesso à internet sem fios.

"Big Boss"

E pronto, já estava a adivinhar aquilo. Não queria era pensar muito no assunto. Mas já supunha que aquele momento iria chegar.
Ali estava com as colegas de grupo, a conversar, quando ela se chega a uns dois metros e lhe faz sinal com o dedo. "Vem cá que eu quero falar contigo". Lá foi. Largou tudo e lá foi. A caminho da sala da chefia, ela, a que o chamou, é abordada por colegas com os problemas naturais desta altura do ano. Ele não estava para ficar ali à espera, aquilo não era nada consigo. Volta para a sala maior onde tinha assuntos a tratar com as suas colegas de grupo disciplinar.
Ela volta a chamá-lo. Lá vai. Queria falar com ele a sós.
Assim, de repente, com aqueles seus modos que ele conhecia já há uma década, lhe lançou a informação que ele já conhecia, acrescentando: "Não há outra hipótese!" Ela riu-se.
E pronto, em segundos, ele ficou a saber aquilo que já adivinhava e ali ouviu por palavras. Para o próximo ano lectivo, caso se conseguisse o esperado destacamento especial, ia ser Coordenador Pedagógico das turmas do Curso de Educação e Formação a funcionar na escola.
Nunca se importou de ser director de turma mas isso era muito diferente de ser coordenador pedagógico de uma turma de um curso daqueles. As férias estavam a começar e ele estava desejoso de largar o cargo de "boss" daquela turma epecial tão problemática. Alunos complicadíssimos com vidas familiares complicadíssimas, grandes dificuldades de aprendizagem, encarregados de educação despreocupados, faltas e mais faltas a ultrapassarem o limite permitido por lei, aulas grátis de compensação, dossiers, módulos, estágios, documentos atrás de documentos, tantas e tantas coisas ali perto de terminarem num espaço de dias e afinal... afinal para o ano ia ser bem pior. Ainda pior.
Criou-se um cargo novo e a quem o atribuíram? A ele. Ia ser o "Boss" dos outros "Bosses" dessas turmas. Ia ser o "Big Boss". "Uau! Fantástico! Que alegria!"
É comum aceitar-se que, subir na carreira, numa empresa, é óptimo. Tem-se mais resposabilidade, é-se "mais importante" e ganha-se mais financeiramente. Pois numa escola não é assim. O ordenado mantém-se, o escalão também e, dependendo dos cargos, o trabalho duplica, pelo menos em stress, preocupações e dores de cabeça. Seria o caso, claro. Ele já tinha a experiência de quatro anos como coordenador pedagógico de turmas de cursos de educação e formação profissional, mas havia sido uma turma por ano. E já era o que era. Nunca mais queria. Chegou-lhe!
Anos depois, a experiência de dois anos como coordenação pedagógica de uma turma de curso de educação e formação. Experiência agora a terminar, para seu alivio e felicidade. Mas agora ia ser diferente, pior. Ia ser uma coordenação de coordenações. Ia coordenar cordenadores dessas turmas. Se coordenar uma turma já era o que era. Se coordenar colegas já era o que era. Agora ia ser lindo. Coordenar duas turmas, dois coordenadores e o dobro dos colegas e alunos. Já para não falar de outros cargos que, na sua cabeça, andavam a tirintar. Já para não falar dos alunos surdos. Já para não falar das áreas curruculares não disciplinares, das parcerias e das restantes turmas. Essas sim eram as turmas que ele, efectivamente, queria ter e, para as quais, cada vez teria menos tempo. As turmas a quem leccionava a sua disciplina. Essas deviam ser o seu principal oblectivo, o seu grande foco.
Ele não queria ser cooordenador de nada, muito menos de algo assim. Não queria nada daquilo. Não queria ser "Boss", quanto mais "Big Boss". Ele queria simplesmente ser um "reles e simples" professor, um simples subalterno que lecciona a disciplina para a qual tirou um curso, que tem tempo de preparar aulas como gosta de o fazer. Um professor que gosta de ensinar os seus alunos.
"Irra, és tão novo e já tens cá um curriculo. Olha que é para muito poucos!" Disse-lhe uma colega toda muito divertida com aquilo. Ele queria lá saber do seu já tão completo e extenso currículo. Ele queria era saber dos alunos, de ser um bom professor, não de cargos e muito menos de cargos de acima de cargos.
"Se não gostasse tanto desta escola, destes colegas, deste ambiente... se a escola onde estou colocado não fosse tão longe, agora tão longe... ia para lá e não queria este destacamento especial. Ia ter umas oito ou dez turmas mas, ao menos era professor a tempo inteiro e livrava-me destas coisas que pouco têm a ver com a profissão que escolhi. Bem, paciência, para o ano logo se vê!" Pensou ele.

Love Actually

É das cenas mais bonitas do cinema. Dá sempre aquela pele de galinha e certa vermelhidão aos olhos.

O dia, o jantar e as prendas.

Estava cansadíssimo. Não tinha dormido nada e tinha passado o dia a correr de um lado para o outro. Corridas físicas e corridas mentais. Por um lado era bom, assim tentava ocupar a cabeça com coisas práticas e evitava pensar. Evitava pegar no telemóvel.
Sai de casa. Compra tabaco. Bebe um café. Faz um telefonema. Outro telefonema que não chega. Conduz quilómetros. Procura estacionamento que não há. Um encontro numa rotunda para receber papelada. O fulano atrasado que o olha de cima a baixo e lhe pergunta: "É professor? Não tem nada ar de professor. Desculpe, mas é que parece do mundo das modas!". Sorri e pensa: "Pois, quando escolhi ser professor não foi, efectivamente, para andar a "voar" atrás de papéis de estágios de alunos porque você, que sei lá se tem ar ou não de engenhiro, não soube mandar a tempo e horas para onde devia. Sabe, a reunião é daqui a horas? E agora quem é que trata disto tudo, hã?!" Uma chamada de telemóvel. Não era a que queria. Despede-se do sujeito. Mais quilómetros. Mais estacionamento complicado. Estaciona em segunda fila. Dirige-se a uma empresa para receber mais papelada. Bebe outro café. Vai para a escola. Chamam-no daqui e dali. Ouve o seu nome não sei quantas vezes e ainda mal tinha chegado. É a Prova de Avaliação Final que ainda não está terminada. É a matriz que a outra perdeu e precisa que ele a imprima. É uma acta para ler e assinar. É uma aluna que tem faltas ainda para justificar. São mais actas para ler e corrigir. Espaços no livro de ponto que colegas não preencheram. Um relatório de grupo para acabar. Um horário da semana da turma para fazer. Passar coisas de umas pen's para outras. As impressoras não funcionam ao ritmo pretendido. Análise de dados estatísticos sobre resultados de provas globalizantes de aferição interna por fazer. Mais um relatório para acabar. Uma mãe de um aluno a ligar e a falar do marido. "Mas estes pais acham que eu tenho cara de psicólogo? Sempre a mesma coisa!" Um dossier que cai ao chão. Papéis para preencher. Outro dossier para organizar. Mais um café.
As horas iam passando e o telemóvel não tocava. E a reunião de avaliação estava prestes a começar. 17 horas. Pronto, faltavam papéis mas o essencial daquele dia estava feito. A reunião podia começar. Estavam todos presentes. Vamos lá, então. E ele já cansadíssimo com toda a gente animada à sua volta. Afinal, a seguir iam jantar todos para comemorar a finalização do curso. "Finalização?" pensava ele. Mas ainda falta tanta coisa para fazer. Eles ainda têm exame no final da semana. E ainda havia tanto para tratar até lá. Fora o grupo, fora o departamento. Ele era professor, mas agora, aulas terminadas, parecia um executivo. Tudo menos professor. Não se importava assim tanto, até tirava daquilo um certo gosto. Era algo de diferente. Mas também era em demasia. O tempo corria mais depressa do que as tarefas eram concretizadas. Finda a reunião, lá foram para o restaurante. Até um colega do Porto veio à comemoração. E claro, tal como era já certo e sabido, o presente para o coordenador. O presente para si.
Sorriu e a face avermelhou. "Oh, ficas tão giro assim timido. Pareces um puto sem jeito." Disse uma colega sempre muito maternal consigo. E era isso. Sentiu-se um puto. Ele que não fazia festa de aniversário há anos, ali estava numa situação como se da sua festa de aniversário se tratasse.
Lá lhe apareceu à frente uma caixa enorme forrada de branco. Levantaram-se todos para ver a sua reacção. Mais de vinte olhos a olhar para qualquer atitude sua. Abriu a caixa e lá dentro estava um grande número de papéis enrolados. Por cima destes uma revista de jardinagem enrolada em forma de canudo.
Sorriu. Comentou. Tiraram fotos. Riram. Ele sabia que não seria só aquilo.
"Vá, então já chega, não procures mais porque não há mais nada!" E os olhos riam-se marotos. Remexeu nos papéis e lá estavam outros. Uns de tamanho A4, brancos, em que no primeiro se lia: "Máximas da Coordenador". Já sabia o que o esperava a seguir. Umas quantas páginas, com letras enormes a construir frases e expressões que ele usava, com frequência, junto dos alunos e colegas daquele curso.
1º lugar - "Temos pena!" Faltou o "... ou não!"
2º lugar - "Hoje é que vai ser rápido! (sempre que havia reunião)"
3º lugar - "Whatever!"
4º lugar - "Já lhes disse: Eu não gosto de vocês!" Aos alunos, claro.
5º lugar - É-me indiferente... (a propósito de qualquer coisa...)
E ali ficaram a brincar, a gozar, a rir com aquelas expressões.
Voltou a remexer nos papéis dentro da caixa branca. Mais alguma coisa. Um postal. Um postal escrito com um texto bonito e assinado por todos os colegas do curso, colegas que o acompanharam ao longo daqueles dois anos. Colegas que ajudou e que o ajudaram. Colegas com quem partilhou alegrias e tristezas relativas aqueles 14 miúdos de quem estava farto mas por quem nutria um carinho especial, mesmo que não o admitisse.
Mais umas piadas, mais umas brincadeiras, mais umas fotos e mais um presente. Lá no fundo da caixa branca um outro envelope. Abriu-o e era um papel pequeno, vermelho. Um cheque-prenda no valor de 75 euros para usar numa loja Gardénia.
"Nem imaginas como foi difícil encontrar uma prenda para ti. Andámos a perguntar a montanhas de gente na escola. Nós duas fomos a lojas, andámos a ver roupa, foi mesmo complicado, mas foi muito giro. Uns diziam umas coisas, outros diziam outras. Mas como achamos que tu és assim diferente até na maneira de vestir, não sabiamos bem e optámos por isto. Assim compras o que entenderes mas vais ter de trazer para vermos."
E risos e sorrisos e piadas e fotos e olhares e ele sem saber o que dizer, como dizer, como agir, como agradecer. Estava emocionado, estava envergonhado, estava sem palavras. Olhava para as prendas e mal conseguia olhar para as pessoas.
Agradeceu muito mas não fez nenhum discurso. Só lhe apetecia dizer: "Gosto muito, muito de vocês, meus queridos."
Foi para casa. Sentou-se em frente ao computador e começou a escrever.
Foi escrevendo e vomitando, escrevendo e vomitando. "Que bela forma de acabar o dia!" pensou. Aquele dia em particular. Mas queria acabar o texto. Tinha de acabá-lo. Sabia que, depois, ia passar grande parte da noite a vomitar.

I feel it... it's coming...




"Que raio de tempo este! Que confusão! Já não se percebe nada! Isto não é normal" Diz o povo. E tem razão. O Verão chegou há quase um mês mas teima em não se afirmar. Mistura-se com as estações que lhe antecederam.
Ora está um calor abrasador durante o dia, mas noites frias. Ora está calor durante o dia e calor à noite. Ora está um sol radioso, ora o céu encobre e chove. Tudo em questão de dias, de um dia para o outro. A Temperatura sobe e desce, a luminosidade também, a pressão atmosférica idem e a humidade relativa o mesmo. Ora se leva com o sol na cara, ora nem vistas dele. E o vento? Ora nem restícios dele, ora uma ventania descomunal.
O clima está a ficar como as pessoas, pelo menos, como ele. Ora está bem, ora está no oposto desse sentir. Já não se conseguem, prontamente, delinear as 4 estações do ano, típicas do clima temperado mediterrânico. Agora, no Verão está calor mas... no Inverno está frio mas... há sempre um "mas". Abruptamente, tudo muda. Abruptamente, tudo volta ao que estava há uns dias antes. Quando o Verão começa a espreitar, lá volta a temperatura a descer e umas gotas a cair. Um turbilhão de mudanças repentinas que até os meteorologistas têm dificuldade em explicar. Ele estava assim. As fases que caracterizam a vida de qualquer ser humano, nele, agora, não duram meses, duram dias, um ou dois dias, horas, até minutos. Num momento parece que está bem e, de repente, volta tudo ao que estava.
Nas últimas semanas tem estado calor. Tem estado sol. Parecia que o Verão, finalmente, tinha vindo para ficar. Mas hoje, segunda-feira, as coisas mudaram. A temperatura desceu. O céu escondeu o sol. E, de quando em vez, na sua cabeça, lá caía um chuvisco. E quando não caía, lá se deixava adivinhar. Ele olhava para cima e sentia que vinha aí. Quando não olhava, e fazia um enorme esforço para não olhar, sentia que "It´s coming..." Mas fazia por não pensar nisso. Atafulhava-se de trabalho seu e de ajuda aos colegas. "É segunda-feira, pronto, mais um início de semana. Nada de especial."
Mas era mais forte do que ele. Não precisava de sair à rua, não precisava de olhar para a janela da sala dos fumadores para saber que estava ali já tão próximo, ali tão perto. Apesar de estar a centenas de metros de distância, ele sentia que estava ali tão perto, tão mais perto do que no dia anterior. Já durante a noite, na sua cama, ele o sabia. E passou a noite a mexer-se sem parar. Mexeu-se, mexeu-se e mexeu-se.
Levantou-se. Bebeu água que entornou, sem querer, pelo peito despido, mas não se importou nada com isso. Foi buscar o ipod e voltou para a cama. O gato branco chegou-se a si, tocou com o focinho rosa húmido no seu nariz e ficou ali a olhar para ele. Ligou o pequeno aparelho e começou a ouvir "Rain". Não sabia se chorava ou sorria. Tal como o clima, estava estranho. A persiana estava levantada, o dia começava a nascer e ele sabia que a qualquer momento um chuvisco estava prestes a chegar.

I feel it... it's coming...

Rain, feel it on my finger tips
Hear it on my window pane
Your love's coming down like
Rain, wash away my sorrow
Take away my pain
Your love's coming down like rain

When your lips are burning mine
And you take the time to tell me how you feel
When you listen to my words
And I know you've heard, I know it's real
Rain is what this thunder brings
For the first time I can hear my heart sing
Call me a fool but I know I'm not
I'm gonna stand out here on the mountain top
Till I feel your

When you looked into my eyes
And you said goodbye could you see my tears
When I turned the other way
Did you hear me say
I'd wait for all the dark clouds bursting in a perfect sky
You promised me when you said goodbye
That you'd return when the storm was done
And now I'll wait for the light, I'll wait for the sun
Till I feel your

Here comes the sun, here comes the sun
And I say, never go away

Waiting is the hardest thing
[It's strange I feel like I've known you before]
I tell myself that if I believe in you
[And I want to understand you]
In the dream of you
[More and more]
With all my heart and all my soul
[When I'm with you]
That by sheer force of will
[I feel like a magical child]
I will raise you from the ground
[Everything strange]
And without a sound you'll appear
[Everything wild]
And surrender to me, to love

Rain is what the thunder brings
For the first time I can hear my heart sing
Call me a fool but I know I'm not
I'm gonna stand out here on the mountain top
Till I feel your

Rain, I feel it, it's coming
Your love's coming down like
Rain

Rain, I feel it, it's coming
Your love's coming down like

I stand right on the mountain top
Waiting for you to call my name

Rain

Supposed/Not supposed

He took a giant fukin' step backwards... and he can't do it. It's not supposed to. He must say bye to the past and jump forward. That's supposed. Why? But why is that supposed? Because it is.

All over the place

Tomou um banho rápido e preparou-se para sair. Não lhe apetecia. Tinha dito a si mesma que "hoje não saio". Não lhe apetecia, não queria ver ninguém. Quanto muito ia à praia. Era Verão e no Verão as pessoas vão à praia. Ela ia, mas ia à noite. Ali, qual cena de filme, a praia era sua. E, tantas vezes, se sentia num filme. Um filme em que era a actriz principal.
Não queria ver ninguém. Se saísse com pessoas, seria um corpo presente, pior, seria um corpo silencioso. E sabia que não a queriam calada. Queriam-na a conversadora do costume, a lançar piadas, como de costume. Se ficasse calada, por minutos que fossem, seria logo alvo das perguntas típicas: "Estás bem? Hoje não estás bem, pois não? O que é que se passa?" E não queria isso. Queria que se divertissem sem aquele corpo ali a pesar. E ela sabia que um elemento que não estivesse bem, pesava num grupo. Ela pesava.
Mas o telemóvel tocava, ora para ouvir vozes, ora para ler palavras e lá decidiu sair. Afinal, o que iria ficar a fazer sozinha numa noite de fim-de-semana? Perguntava-se, porque era isso que era costume ser dito pelos outros. Saiu.
Conseguiu disfarçar e até muito bem. Ninguém diria que aquelas larachas, aquelas piadas, as conversas divertidas vinham da mesma pessoa que, por dentro, estava no exacto extremo oposto. "Quando quero, sou uma excelente actriz" Sempre lhe disseram que tinha jeito para o teatro. Ali estava a prova. Mas o teatro é o teatro e aquilo era vida real. E na vida real detestava mentir e detestava mentir a si mesma. Não queria continuar com aquele papel. O estômago começou a encolher, o peito a apertar, a garganta a sufocar e partiu. Não partiu com aquele grupo para o local onde foram a seguir. Partiu sozinha. Despediu-se com um sorriso radioso, mandou mais uma piadola para o ar e mal se virou para descer a rua, o semblante colou-se ao seu estado interior, à sua alma. Tinha feito o seu papel, não tinha incomodado, preocupado ninguém.
Desceu uma rua, virou à direita, depois à esquerda, seguiu em frente, atravessou a estrada, seguiu em frente mas não voltou à esquerda para o estacionamento onde tinha o seu carro. Continuou a descer, a descer, a descer... Não queria estar com ninguém, ver ninguém. Porque é que não fez o que tinha pensado horas antes. Ficava em casa e pronto. Não teria de passar por aquilo. Mas saiu e não queria voltar para casa. O céu estava coberto, havia muita humidade no ar e uma gotícula mínima de água caiu-lhe na face direita. Mas estava uma temperatura agradável. Sentou-se no chão. Acendeu um cigarro, encostou-se à parede, colocou os fones e ouviu a música que, em tempos, havia dedicado a uma das suas duas grandes amigas.

Well I couldn't tell you why she felt that way,
She felt it everyday.
And I couldn't help her,
I just watched her make the same mistakes again.

What's wrong, whats wrong now?
Too many, too many problems.
Don't know where she belongs, where she belongs.
She wants to go home, but nobody's home.
That's where she lies, broken inside.
With no place to go, no place to go, to dry her eyes.
Broken inside.

Open your eyes and look outside, find the reasons why.
You've been rejected, and now you can't find what you left behind.
Be strong, be strong now.
Too many, too many problems.
Don't know where she belongs, where she belongs.
She wants to go home, but nobody's home.
That's where she lies, broken inside.
With no place to go, no place to go, to dry her eyes.
Broken inside.

Her feelings she hides.
Her dreams she can't find.
She's losing her mind.
She's fallen behind.
She can't find her place.
She's losing her faith.
She's falling from grace.
She's all over the place!

She wants to go home, but nobody's home.
That's where she lies, broken inside.
With no place to go, no place to go, to dry her eyes.
Broken inside.

She's lost inside, lost inside.
She's lost inside, lost inside.

(Nobody's Home - Avril Lavigne)

Hoje a música era para si. Era sua. Hoje era na sua alma que se reflectia de forma lacinante e certeira. Mas não chorou. Às vezes parecia que tinha perdido essa capacidade. Mas chorar não implica uma tradução no cair de lágrimas e ela sabia-o muito bem. Não estava a representar, não estava a ser actriz. Simplesmente não conseguia chorar.

Field Of Innocence

I still remember the world
From the eyes of a child.
Slowly those feelings
Were clouded by what I know now.

Where has my heart gone?
An uneven trade for the real world.
Oh I... I want to go back to
Believing in everything and knowing nothing at all

I still remember the sun
Always warm on my back
Somehow it seems colder now

Where has my heart gone
Trapped in the eyes of a stranger
Oh I... I want to go back to
Believing in everything

Iesu, Rex admirabilis
Et triumphator nobilis,
Dulcedo ineffabilis,
Totus desiderabilis.
.
I still remember.

(Evanescence)

Zes


A propósito dos enormes cartazes verdes com letras brancas, espalhados por todo o lado da cidade, presume-se, por todo o país, com a já conhecida frase "O Zé faz falta!", ele recebeu, de uma amiga, a mensagem no telemóvel:

"Se houvesse mais Zés no mundo... era uma zézada!"

Riu-se e respondeu:

"Se houvesse mais Zés no mundo... era uma chachada!"

Aquilo saiu-lhe de rompante, sem pensar, em toque de brincadeira, para fazer verso. Depois pensou um pouco e percebeu que até tinha sido certeiro. Não era o objectivo mas tinha sido. De facto, era mesmo o que pensava. Grande chachada que seria se houvesse mais Zés no mundo.

Pensal Cacau

Para muitos uma estupidez, até coisa de louco e, por isso, não gostava de falar no assunto. Esquivava-se sempre cada vez que o tema de conversa tocava no transcendental. Calava-se ou fazia por mudar-se de conversa. Muitas vezes ficava a ouvir as opiniões alheias. Os que o conheciam melhor sabiam porque se calava. Não que ele lhes falasse muito sobre isso, mas porque, eles mesmos já tinham assistido a algumas "cenas" a que chamavam de adivinhações. Olhavam para ele de lado para ver a sua reacção, calavam-se também ou sorriam.
Um dia, um amigo disse-lhe que ele era como uma ponte, uma ponte entre este e outro mundo. Primeiro teve vontade de rir porque achou ridículo. Depois parou para pensar, sem nunca querer entrar por determinados meandros do pensamento. Era uma parte que tentava anular em si. Há anos que assim era. Por uns períodos conseguia-o, noutros nem por isso. Esses outros ocorriam quando estava mais fagilizado, com as defesas mais enfraquecidas, sabia-o.
Às vezes chegava a ser assustador, tão assustador que o levava mesmo a não querer pensar, vivenciar, sentir, ouvir algo que, de alguma forma, deixasse transparecer, até para ele mesmo, aquilo que ele era, aquilo que era uma parte de si. Aquilo que, desde há anos, lhe fazia confusão, não tanta quanto a outros. Uma confusão que nunca sentiu durante toda a sua infância, mesmo adolescência. Sempre achou natural, normal. Sempre pensou que toda a gente era assim. Há uns anos começou a perceber que, afinal, não. Começaram a fazer-lhe ver que "desculpa, isso não é normal". Apenas um amigo médico lhe disse: "Não é comum, é até muito raro. Mas é normal em certas pessoas. Nós só usamos uma pequeníssima parte do nosso cérebro e há pessoas que o usam mais. Isse reflecte-se em várias áreas. Tu tens, certamente, uma parte do cérebro mais desenvolvida que o habitual. Uma parte que te faz ser assim, ver essas coisas, sentir o que tu sentes. É fascinante. Devias explorar isso e devias ser estudado."
Ele nunca o quis. Não queria ser estudado, não queria ser olhado como diferente, não queria ser assim. Por vezes achava graça e divertia-se com algumas situações. Achava graça e divertia-se pelo divertimento e fascínio que essas provocavam noutros. Mas, em geral, não queria ser assim. Ao longo da vida, já tinha sofrido muito com isso. Sentia e via coisas que não queria. E decidiu lutar contra. Não sabendo bem como fazê-lo, empenhou-se numa tarefa, até para ele, estranha de camuflar, anular, barricar tais "adivinhações", "flashes", "visões", "premonições", o que lhes quisessem chamar. Mas quando estava mais frágil, lá vinha tudo outra vez, como se aquela tal parte do cérebro estivesse à espera de uma brecha para entrar em acção. E era nessas alturas que mais sofria, era nessas alturas que mais via o que não queria.
Algo que nunca conseguiu barrar era a "aura" das pessoas. Desde pequeno que ouvia falar em aura mas nunca tinha percebido bem o que tal quereria dizer. Quem teria inventado tal coisa? O que seria isso? Talvez toda a gente a veja, talvez toda a gente a sinta. Ele via e sentia, disso não tinha a mais pálida dúvida.
Havia pessoas, não muitas, às quais nem se chegava, com as quais não queria manter grande contacto, se possível nenhum. E temia pelos que lhe eram próximos quando conviviam ou eram amigos dessas pessoas. Tentava, muito subtilmente, alertá-las para essas pessoas. As pessoas das "auras más", como há anos lhes decidiu chamar, por facilitismo de expressão. Mas havia outras, outras pessoas que, num ápice, se lhe afiguravam com uma luz, uma aura de grande beleza. As pessoas das "auras boas".
Há algum tempo, num jantar de amigos, conheceu uma dessas "auras boas". Semanas depois voltaram a cruzar-se e hoje um terceiro encontro para novo jantar. Conversaram, mudaram de lugar, conversaram, mudaram de lugar e continuaram a conversar. Deu-lhe boleia para casa. Continuaram a conversar. O carro parou e conversaram mais um pouco.

...
Z - Vá, até amanhã.
R - Até amanhã? Mas combinámos alguma coisa para amanhã?
Z - Não propriamente mas não vais ficar em casa. Não dizes que não queres focar em casa?
R - Sim, não quero mesmo. Preciso de sair, estar com pessoas, ver gente.
Z - Pronto, então até amanhã. E dorme bem.
R - Dormir? Eu não vou já dormir. O corpo está cansado mas eu não vou dormir. Ainda vou ver televisão e comer Pensal ou Nestum, de que gosto muito. Não sei se acontece com as outras pessoas mas eu quando bebo fico cheio de fome.
Z - Eu fico é cheio de sede.
R - Pois, também.
Z - Eu também vou ver tv, ou um dvd, qualquer coisa. Cama é que ainda não.
R - Sabes, é que agora nem música me apetece ouvir. Tenho lá uma pilha de cd's para ouvir e não ouço. Vejo tv. A ver tv somos mais passivos. Estamos ali a ver umas coisas a estas horas e pronto.
Z - É isso mesmo. Vemos umas coisas sem ter de pensar muito. E isso é bom, também.
R - Bem... então... sendo assim... até amanhã... e descança.
Z - Tu também. Vê lá se este lugar é seguro para ficares aqui. Isto é escuro. Não há perigo?
R - Não, não. Eu moro já ali, não te preocupes.
Z - Ok, então boa Pensal Cacau e até amanhã.
R - Obrigado, a sério, obrigado. Então até amanhã.

Quando ia no carro, a caminho de casa, pegou no telemóvel e escreveu:

- Engraçado, fizeste-me ter vontade de comer Pensal. Algo que não como há muitos anos. Quando era pequeno comia muito. Chamava-lhe "farinha preta". Segunda-feira vou já comprar para recordar. Boa paparoca em frente à tv e dorme bem.

Já em casa a resposta e mensagens seguintes:

- Olha que curioso. Eu fiz-te recuperar a vontade de comer farinha Pensal? Então acho que te transmiti algo de bom. Sim, vou agora preparar a minha tijela. Um bom descanso para ti. Beijos.

Outras mensagens se seguiram.

"Trasmitiste algo de bom? Tu transmites muitas coisas boas. Tens uma boa aura. Soube-o quando fomos apresentados e continuo com essa certeza." Assim pensou quando se sentou no sofá. Descalçou-se atirando os ténis ao ar, ligou a tv, mas não comeu Pensal. Não tinha. Sabia, contudo, que na segunda-feira, teria. Teria uma tijela cheia de Pensal Cacau para se deleitar e recordar aquele sabor tão familiar que o transportaria, certamente, à infância. Uma infância em que era tão feliz. Uma infância em que não sabia, efectivamente, o que era sofrer. Uma infância em que se deitava e acordava tão descansado. Uma infância em que se sentia tão normal. E era tão bom. Uma infância em que, ao acordar e/ou ao deitar, via a sua mãe entrar no quarto, com aquela expressão de profunda ternura que só as mães têm, acompanhada da sua "farinha preta".
Deitou-se no sofá. Pegou no comando da tv e ali se deixou ficar. Sentia-se bem. Afinal, tinha estado com uma pessoa com uma "aura boa". Era de pessoas assim que precisava na sua vida.

Fuck You

G - Fuck You!!!
S - Ok, let's do it.
G - Let's do what?
S - Fuck.
G - Fuck you...
S - Ok, i heard it. Let's do it.
G - I said: Fuuuuuck You!
S - Yes, i heard. You said: "Fuuuuuck YOU". So, if you wanna fuuuuuck ME...let's do it, let's fuck...fuck me.
G - Oh, well...ok. Fuck it!

1, 2, 3... count to 10...

Brokeback Mountain

Ficam as imagens e a música.

Brokeback Mountain

Precisava de ser sobredotado na escrita para conseguir escrever, passar para palavras, tudo o que sente sobre este filme.

Will I?

Caminhava num jardim municipal quase deserto e mal cuidado. Aqui ou ali um grupo de jovens a aproveitar os primeiros dias de férias, um casal de velhotes sentado, uma bicicleta que passava rápida, um cão que o seguiu durante uns 2 minutos. Um jardim, junto ao Tejo, onde não ia há anos... e, perdido nos seus pensamentos, ia cantando para si "...will someone caaaaaaaare?"

Nunca tinha estado no cinema com tão pouca gente, uma sala praticamente vazia. Eram só dois, eles dois. Iam ver o filme pela segunda vez.

As críticas não disseram bem, mas que bem eles estavam ali, que bem que tudo lhes soou...

(Will I? from RENT Movie)

The Mission

Ennio Morricone - Gabriel's Oboe

The Boys

Why can't the boys be the boys that the boys want the boys to be?

And why can't the boys see the world that the boys want the boys to see?

Tudo aquilo...

... Gostava de voltar a dar a mão, voltar a abraçar, voltar a dizer “bom dia”, “boa noite, dorme bem”. Gostava de voltar a ter a chave de outra casa, de dar a chave da sua casa, de ouvir o barulho da fechadura, de chegar a casa cansado e saber que lá está alguém para poder falar, para ouvir, para silenciar, só estar. Gostava de alguém chegar à sua casa e sorrir para si, de dar aquele beijinho rápido antes do dia começar, de voltar a ver 4 talheres e dois pratos na mesa, duas bandejas no sofá, de não cozinhar, dia após dia, só para si. Gostava de não tomar sempre banho sozinho, de partilhar o shampoo, de deitar ao colo, de afagar o cabelo. Gostava de olhar para duas lâminas de barbear, duas escovas de dentes, de não ser só ele a afagar os gatos, de partilhar a música no carro, de serem dois a olhar para a tv, de discutir por coisas parvas ou mais ou menos sérias, de planear a dois, de sonhar a dois, de querer e acreditar a dois. Gostava de voltar a dizer feliz: “Este é o meu namorado” e de ouvir sobre si o mesmo. Gostava de voltar a caminhar à chuva acompanhado, de sentar ao lado no cinema ou teatro, de ajudar a fazer a mala de viagem, de empurrar na cama, de deitar primeiro, de deitar depois, de tocar no corpo quente ou afastá-lo pelo calor. Gostava de partilhar os risos, as gargalhadas, as lágrimas e dores. Gostava de voltar a trocar de roupas. Gostava de voltar a usar aqueles termos e expressões que só dois usam. Gostava do voltar a ir e vir juntos. Gostava de voltar a fazer amor como se de um bailado se tratasse. Gostava de voltar a fazer amor. Gostava de não sentir o que sente agora. Gostava de ouvir em casa mais do que o vento que agora faz estremecer as janelas.
Está sozinho, assim tem de estar, mas, ao mesmo tempo, gostava de ter tudo aquilo.
Hoje não janta. Não quer um só copo, um só garfo, uma só faca, um só prato. Hoje não liga o fogão só para si.

Sozinho

Há mais de meio ano que estava sozinho, entenda-se, sem ter uma relação, um companheiro, um namorado. Não que até nem tivessem surgido oportunidades, estava sozinho porque assim tinha decidido estar. Cruzou-se com pessoas interessantes, fascinantes, simples, complexas, simpáticas, divertidas, inteligentes, interessadas, com boas "auras", pessoas com quem, em tempos, poderia deixar-se estar horas a pensar que "pois...talvez...é capaz...". Cruzou-se e vai continuar a cruzar-se. Mas não as quer para mais do que amizade. Será esse o máximo a que se permite e que lhes permite. Poderia estar a desperdiçar oportunidades, ele sabia, mas não as queria. "É para estar sozinho", assim queria que fosse.
Nunca tinha feito parte daqueles que saltam de cama em cama e mesmo sozinho nunca foi o seu “meio”. Nada tinha contra, até chegava, por vezes, a sentir uma certa inveja das aventuras por outros contadas. Tinha mais de trinta anos e contava pelos dedos de uma mão as pessoas com quem se tinha envolvido fisicamente. Também nunca tinha feito parte dos desesperados em busca de uma relação. Esses sempre lhe fizeram confusão. Com ele as coisas sempre aconteceram com certa naturalidade, uma naturalidade que nunca esperou. Nunca procurou, nunca esperou. Talvez por isso tenha acontecido. Talvez por isso nunca tenha tido a panóplia de namorados que os que o rodeiam “coleccionam”. Nunca namoriscou, nunca "andou" com alguém.
Durante toda a sua adolescência e juventude e até aos vinte e tal anos, sempre se viu sozinho, sempre se achou demasiado independente e individualista para partilhar uma “vida a dois”, mas, muito mais do que isso, nunca pensou que alguém se pudesse interessar, apaixonar, enamorar por ele, ao ponto de ter algo de mais sério, ao ponto de, durante anos, sentir-se casado. Mas assim foi. Um primeiro “casamento” terminou. Um segundo também. Não queria mais. Duas vezes era demais. Os tempos depois do fim tinham contemplado os momentos mais horríveis da sua vida. Quando pensou que já não poderia chegar mais fundo, chegou. Quando pensou que não podia voltar a sofrer tanto pelo finalizar de algo construído a dois, sofreu. Quando pensou que estava preparado para tudo, sentiu na alma, na mente e no corpo que não estava. Um aperto no estômago, uma dor no peito, um nó na garganta, uma dor que chegava a ser física. Sentiu-se ferido, esquartejado, apunhalado e as feridas teimavam em não sarar. As que iam fechando, voltavam, em segundos, a abrir-se, bastava uma música, uma imagem, um som, uma palavra, um cheiro... Chegou a sentir-se metade de si, chegou a sentir que uma parte de si tinha desaparecido, chegou a sentir-se quase morto. Estava no fundo do poço, na sarjeta, com a alma e o coração ensanguentados debaixo do mais reles tapete. Pensou, por tantas vezes, que não aguentava tamanho vazio, mais do que isso, tamanha dor. Preferia viver sentindo-se vazio do que encarar cada acordar, cada deitar, com uma dor que não se descreve.
Sabia que ninguém completa ninguém. Em última instância, as pessoas nascem sozinhas e assim morrem. As pessoas complementam-se, é diferente. E já nem essa complementaridade queria.
Achava ridículo quando, no dia dos namorados, via peluches, postais, porta-chaves e um sem número de objectos com frases do tipo “ ficarei sempre a teu lado”, “sem ti não sei viver”, “és a minha cara metade”. Pensava: “Ninguém é a cara metade de ninguém. Não, não ficará sempre a teu lado e conseguirás viver sem ele ou ela. Se eu consegui, se ainda aqui estou...” E, ao mesmo tempo, sentia tristeza por isso. Uma profunda tristeza por ter deixado de acreditar, por ter deixado de olhar com carinho, ternura e esperança para aqueles objectos, por não querer mais construir a "sua familia".
Não queria mais passar por aquilo. Estava cheio de cicatrizes, carregava um passado cheio de recordações guardadas numa caixa que era o tesouro mais bem guardado dentro de si. Um tesouro cheio de alegrias, felicidade, sorrisos, risos, partilhas, cheio de amor, cheio de luz mas também cheio de escuro, muito escuro, o escuro que o tinha feito sofrer tanto, como nunca pensou ser-se possível sofrer. Cresceu, melhorou, aprendeu, tornou-se mais capaz, mais forte, enquanto ser humano. A vida ensinou-o a criar mais defesas, a estar mais preparado. Mas estava cansado, dorido, desiludido. Não queria mais passar por tudo aquilo, nem por metade. Sabia que era demasiado sentimental, que não punha as coisas assim para trás das costas, que não conseguia, de um momento para o outro, construir um novo castelo com alguém. E por tempo que passe, construirá o seu castelo. O dele.
Tinha decidido que não queria mais, nem namoro, nem relação séria, nem “vida a dois”. Nada. Era ele, a sua família e os seus amigos. Essas seriam as pedras do seu castelo. E era com essas que iria partilhar, com que iria contar.
Aos trinta e poucos anos já tinha tido aquilo que que a maioria das pessoas procura a vida inteira. Amar verdadeiramente e ser verdadeiramente amado. Viver como casado durante anos. E isso tinha tanto, mas tanto valor, ele sabia. Mas também o tinha feito chorar as lágrimas mais doridas da sua vida. Não queria mais.
“Falhar numa relação é diferente de deixar de amar”, sempre acreditou nisso. E ele amava, ainda amava. E amava muito. Amava e era amado, sabia disso. Mas a vida a dois tinha terminado. E com isto teve de aprender a viver. Em vez de se deixar caído no fundo do poço, ia aproveitando a terra que lhe caía em cima, sacudia-a, limpava-se e ia subindo para cima dela. E ia ficando cada vez mais perto da superfície, da entrada do poço. Se escorregasse e caísse, tentava novamente. Era assim que tinha de ser, por muito fraco que estivesse. Agora era ele que importava.
Tal como nunca procurou, tal como nunca ficou à espera, também nunca acreditou muito na história do príncipe encantado. Acreditava nas pessoas, na partilha, na cumplicidade, na honestidade, na luta a dois, no equilíbrio a dois. Deixou de acreditar plenamente nas pessoas, deixou de acreditar numa relação como sempre sonhou e quis. Deixou de acreditar em algo a dois, só a dois. Sentia tristeza por isso, mas essa era a verdade.
Tinham-lhe dito coisas como: “A melhor forma de esquecer um amor é com outro amor”, “Vá, arrisca, não sejas parvo. Vais ficar toda a vida preso a um amor?”. Arriscar o quê? Assumir algo com alguém amando outro alguém? Não queria. Não era justo para o outro, não era justo para si mesmo. Ele não queria uma bengala. Queria andar direito e sozinho.
Um grande amigo seu disse-lhe: “Tu não penses que vais andar agora por aí a ter sexo com este e aquele, era bom, era o que devias fazer, aproveitar, mas não faz parte de ti. E não vais ficar muito tempo sozinho. Tu és foste feito para estar casado.” Feito para estar casado? Talvez. Talvez aquilo lhe tenha caído na alma como uma chapada, dada por uma mão pesada, na cara. Mas não queria. Estava decidido. Já tinha perdido demais, não queria voltar a perder. Viessem outros sofrimentos, outras dores, outras feridas mas não mais por causa de alguém em quem ver o seu companheiro, o seu cúplice, alguém com quem se veja a viver o resto da vida.
Talvez um dia deixasse de amar. E mesmo nesse dia não quer voltar a deixar de estar sozinho. Há mais de meio ano que estava sozinho e, por tantas vezes, parecia que se tinham passado apenas dias. Mas estava sozinho e era sozinho que tinha decidido estar. Tinha tanto amor dentro de si, tanto amor para dar, mas guardá-lo-ia dentro de si. Seria o amigo que sempre foi, estaria lá sempre que fosse preciso, amaria de outras formas, como sempre fez, mas entregar o seu amor a "outro", não. Sentia que se estava a tornar uma pessoa fria. Paciência!

Madonna rules at Live Earth

Outros foram partindo, mas nós dois, ainda com esperança, esperámos, esperámos, esperámos, desesperámos, comemos, bebemos, fumámos e ali fomos ficando no sofá, hora após hora, à espera. Uma maratona que findou perto das 4 horas da madrugada.
Mas valeu tanto a pena. De repente lá estava "ELA", a minha menina, de preto vestida, cabelo louro aos cachos, linda, linda, linda. Chegou e arrasou. Não são precisas mais palavras.

Madonna rules at Live Earth

Hey You (tema composto por Ela para o evento)

Muito, muito bonito.

Madonna rules at Live Earth

Ray Of Light

She stole the show!

Madonna rules at Live Earth

La Isla Bonita

Absolutamente fantástico!
Estes ciganos romenos (Gogol Bordello) são hilariantes.

Madonna rules at Live Earth

Hung Up

Ninguém desfila assim numa passadeira... (aos 4 minutos)

Eu Comi a Madonna

Que abuso, comer ELA!

That's why we don't need to talk

Dos mais belos filmes de sempre.

I Have a Shane Fascination!

Uma das séries que nunca o moveu, nunca lhe despertou grande interesse, dá pelo nome de The L Word. Volta e meia lá se cruzava com ela nas suas “zappingadas” mas aquilo não lhe dizia muito. Lésbicas aos beijos, era quase sempre o que via... Passava-lhe muito ao lado. "De certeza que, sobre a homossexualidade, o Queer As Folk é muito melhor."
Uma noite, num jantar, ouve uma colega, autêntica devoradora de séries televisivas, dizer que a série é muito boa. O marido, outro vampiro de séries, sacava cada episódio da net mal ele passava nos States. Achou algo estranho, sobretudo curioso, um casal heterossexual ficar ali a falar da série mas, noite finda, e o assunto encerrou na sua mente.
Há dias, nas suas passeatas pela Fnac, uma estante imensa com os dvd's da primeira série. "Que raiva! Queer As Folk lá metido numa estante escodida e sem ser da zona europeia. Esta série como já são gajas, já há para a zona 2, já tem legendas em português e já metem em destaque aqui. Que discriminação! Homens aos beijos já tem de ser escondido do povinho mentecapto!"
Pegou na caixa rosa. Olhou para as moças lesbianas. Leu o que estava escrito e ficou na dúvida “Compro ou não compro? Não sei se vou gostar disto. Nunca vi, nunca me chamou a atenção e, por favor, são só gajas!” Sorriu com a sua ideia também de discriminador, deu mais uma volta pela loja e voltou a pegar na caixa. “Compro, ora! Não é caro e se aqueles dois dizem que é boa, deve ser. Eles tem gostos de que gosto e são heteros...”
Comprou. E o cenário foi-lhe, novamente, conhecido. O cenário do vício. O primeiro episódio, logo o segundo, até ao último. Horas e horas no sofá, até o nascer do dia, a embrenhar-se naquela realidade, não tão longe da sua, afinal.
Os nomes das personagens, as suas características físicas, o delinear das suas mentes e atitudes, os casais, os namoros, as amizades, as profissões, as casas, as ruas, o café... mais umas vidas, mais uns amigos (no caso, sobretudo, amigas) para acompanhar.
E estava a gostar, a gostar cada vez mais. Por várias vezes pensou: “Todas as pessoas deviam ver isto! Heteros e gays, todas! E dizia a outra que não se aprende nada a olhar para um ecrã de tv!?” Nunca tinha pensado que cenas de amor ou de sexo entre mulheres pudessem ser tão belas aos seus olhos. Nunca o tinham sido. E havia cenas tão, mas tão belas. Nunca pensou que se pudesse envolver tanto num “mundo gay feminino”. Afinal, a diferença era no sexo, nada mais. Em vez de homens e mulheres, sobretudo, em vez de homens e homens, eram mulheres e mulheres.
O casal heterossexual, o casal lésbico, as melhores amigas, o homem lésbico, os engates, os preconceitos relativos a orientações, relativos aos conceitos de arte, a luta profissional, a maternidade, a adopção, a irmandade, os vícios do álcool e toxicidades, o sexo, o desejo, o amor, a alegria, a dor, o sofrimento, os sorrisos, os risos, as lágrimas, a familia, as confusões de sentimentos, as traições, os inícios e fins de relações, os choques de personalidades... tanto ali exposto. Tanto tão familiar.
Várias vezes fez pausa para olhar o tecto e pensar. “Isto é mesmo assim! É tal e qual isto! A mente humana é, de facto, tão assustadora quanto fascinante.” E, quando terminava um episódio, ao som de uma música sempre cuidadosamente bonita, ficava minutos e minutos a pensar. "O cérebro é formado por laivos de tantas confusões!"
Como sempre, logo assumiu personagens favoritas e uma não lhe saía da cabeça. Shane. Reparou nela logo na primeira imagem em que esta figura lhe surgiu. O deslumbramento aumentou a cada episódio. Não que se identificasse com ela. Fascinava-o, era isso. A androginia sempre surtiu nele um efeito de curiosidade, de fascínio. Sempre que via alguém andrógino, ficava a olhar. Via na androginia, muitas vezes, muita beleza. Sobretudo, numa androginia assim. Mas foi mais do que isso. Já não era a primeira vez que alguém andrógino o atraía mesmo fisicamente. As pessoas achavam aquilo estranho. Até ele chegava a achar. Se era estranho sentir-se atraído por um homem que parecia uma mulher, mais estranho era este o caso. Era uma mulher. Nunca ninguém andrógino o tinha feito sentir assim, sobretudo sendo isso, uma mulher.
“Que ser extraordinário!” pensou tantas vezes, em tantos episódios. Fisicamente, uma rapariga com 20 e muitos anos, extremamente magra, cabelo desgrenhado, roupas cuidadas mas, ao mesmo tempo, desleixadas. Um andar desengonçado masculino, o sentar de pernas abertas e a voz, uma voz fabulosa grave, quase susurrada, saída de um rosto, quase de criança, muito bonito. Sim, uma lésbica muito masculina não tem de ser feia, nada mesmo. Shane era a prova disso. Linda! Tanto estilo nos gestos, na postura, nas costas ligeiramente curvadas, no low profile! Em termos de personalidade igual fascínio sentiu. Aparentemente desinteressada e secundária, é muitas vezes o elo de ligação entre personagens. Irónica mas certeira, para não sofrer procura ser fria e esconder sentimentos, mas em pequenos gestos deixa transparecer o enorme coração que tem e o imenso amor que tem para dar, um amor que, pelo desejo físico que sente, pelo passado devastador, rejeita sequer sentir. “Listen, i fuck, i don't do relationships! I like you a lot but i like other people too” diz num dos primeiros episódios. Está mais do que apresentada aquela do grupo que salta de cama em cama e que não quer nada com o amor que todas as amigas procuram ou sentem. Eis que, no último episódio da primeira série, se esvai num turbilhão de sentimentos perante a pessoa que, efectivamente, ama e com quem, afinal quer passar os dias da sua vida. “I never wanted, i don't want to feel like this but... i met you, then i've opened my heart, now i know what is to be in love with someone. I'm broken... Stay with me.”
E agora Shane, e agora meninas, como será na próxima série? Fascinem-me!





Looking very Shane today!

"So fuckin' cute!" She says. "So fuckin' fab!" I say.

Series

Há poucos dias ouviu uma colega de trabalho dizer: “Quem passa horas em frente à televisão é porque não tem nada de interessante para fazer na vida!” Ora que coisa tão infeliz de ser dita. Não será esse um modo de nos fazer evoluir, crescer, aprender? Claro. Era óbvio para ele.
Respondeu isso mesmo, acrescentando: “Eu adoro ficar horas a ver séries.” E levou como resposta final: “A sério? Estás-me a surpreender. A sério? Mas isso é perder tempo. Não adianta de nada a ninguém.” A colega olhou para ele com ar de alguém absolutamente decepcionado. Aquele ar de “tinha-te em melhor conta!”
Dirigiu-se ao computador para fazer uma grelha qualquer e pensou: “Não adianta nada? Não que não adianta. Quem não vê... se visse talvez entendesse! Há ali tanto sobre a vida!”
Não tinha nada contra vícios. Nada mesmo. Até estranhava quem os não tivesse. Os vicios dão calor à vida. Pulsam em nós. Ele andava viciado e não se importava. Viciado e adorava andar assim. Andava viciado em séries. Séries daquelas que, há meses e meses, vão dando nos canais da Cabo mas que às quais nunca deu grande atenção. Sempre foi assim. Nunca gostou de ver episódios “soltos”. Se era para ver, se era para acompanhar, então teria de ser desde o primeiro episódio. Não se importava de ver um ou outro episódio de séries cómicas, daquelas para rir um bocado uns 30 minutos, mas de resto, tirando um ou outro episódio do House ou dos milhentos CSI, só mesmo vendo do início.
Fazia zapping e lá se deparava com episódios daquelas séries de que ia ouvindo falar. Não olhava para o ecrã mais de 5 minutos. Até podia, rapidamente, entrar no argumento, mas não queria. “Um dia logo vejo isto do início”, pensava. Pensava e cumpriu.
Há uns largos meses começou pelo Six Feet Under. A correria após a aula de body combat, a adrenalina a subir ao tentar arranjar lugar para o carro, para chegar a casa e ouvir aquela deliciosa música inicial. “Porra, são 10.40, vamos perder o início, que raiva!”
Depois a Ally MacBeal. Quando, há anos, dava na televisão nacional via quase todos os episódios. Chegava a ficar acordado até às 2 ou 3 da manhã para ver o episódio semanal que dava cada vez mais tarde por causa das novelas umas atrás das outras. Adorava aquela Ally. Adorava aquelas pessoas daquele escritório. Fez questão de perder o amor ao dinheiro e mandou vir toda a série. Voltou a ver tudo. Horas a fio, episódio a seguir episódio. Era tão bom, tão bom.
Depois, outras vieram. Nip/Tuck, papado. Queer As Folk, visto. Grey's Anatomy, consumido. Sex And The City, já está. Até o Lost. Sempre teve um certo sentimento de “Bah, que porcaria tão parva. Haverá coisa mais estúpida?” relativamente a esta série. Do pouco que via, nas sessões de zapping, sempre achou aquilo patético. Ursos polares numa ilha tropical? Um fumo preto que se desvia das pessoas ou que as ataca? Quase foi obrigado a ver desde o primeiro episódio e... rendeu-se.
De quando em vez lá ia à net ver se havia novidades. A Ally, as fantásticas de NY, a familia fúnebre e os queers já se tinham ido... mas havia os outros. Quando sairia a terceira série dos estagiários de medicina? Quando teria a quarta série dos seus cirurgiões plásticos favoritos? Quando é que voltaria, pela quarta vez, aquela ilha perdida? “Vá, lancem lá a porra das séries! Tenho saudades” pensava.
Queria voltar a ver, a ouvir, a sentir aquelas personagens. Queria voltar a acompanhar aquelas vidas. Queria voltar a intrigar-se, a sorrir, a rir, a chorar, a carregar na tecla “pause” do comando para pensar nesta ou naquela frase. Queria ir buscar qualquer coisa para petiscar ou ir bebendo e esticar-se no sofá, ir à casa-de-banho e voltar para junto daquelas pessoas. Tão aconchegante. Episódio atrás de episódio repleto de expressões, diálogos, silencios, complicações, excitações, emoções e sentimentos fictícios mas tão, tão reais.
“Vá, despachem-se. Estou à espera de vocês!”

Que se apaguem as luzes... e se ouça isto.

Para a querida "C" que entrou na Igreja ao som desta música. Feliz vida a dois.

(Sacrifice - Lisa Gerrard e Pieter Bourke)

Most Ignorant...

Estava numa reunião de trabalho. Enquanto rabiscava a sua próxima tatuagem e outras linhas saídas da sua caneta preta, os outros falavam cheios de verdades que o podiam não ser. Não passavam já de sons, ora mais longe, ora mais perto. Sons que se misturavam na sua cabeça com uma melodia da Bjork.
Já estava farto daquilo. Sempre o mesmo. Todos os finais de ano o mesmo. Tanto trabalho ao longo do ano para quê? O que é que ele estava ali a fazer? O que é que andou a fazer durante todo o ano? Qual o sentido daquilo tudo se depois passavam os miúdos quase todos apelando a pretextos absolutamente extraordinários direccionados por uma entidade, supostamente, douta e superior. As familias, as necessidades educativas, os planos, as idades, os resultados da União Europeia, etc, etc, etc. Qual era o papel de professor, hoje em dia? Qual era o seu papel? O ano tinha corrido bem e agora voltava tudo ao mesmo. Transitam os que sabem e os que não sabem. Transitam os que se esforçam e os que apenas marcam presença, como se vasos de plantas se tratassem. Porque é que não passam logo todos de uma vez e pronto?! Sucesso a todos os níveis! Menos aos níveis que mais importam.
Ele já tinha dado a sua opinião e já sabia a dos outros. Há meses que sentia a revolta dos colegas. A revolta a conviver com eles e a brotar deles. Uma revolta a que já se estavam a habituar, infelizmente. Era assim quase diariamente. Um baixar de braços.
Abstraiu-se. Sempre soube que as verdades de hoje são as mentiras de amanhã. E nesta profissão isso é tão, mas tão nítido. Pensou chegar a casa e escrever um post sobre a situação do ensino no seu país. Não o fez. Iria ser necessário um blog só para isso. Um blog que se traduziria numa farta cabeleira branca, uma úlcera nervosa e mil rugas de expressão. Não, não ia entrar por aí.
Continuaria a lutar como podia, continuaria a fazer o papel que há anos resolveu encarnar em sala de aula quando escolheu esta profissão fascinante, continuaria a tapar buracos nas múltiplas mantas emanadas pelos ditos superiores, continuaria a ser o mais justo possível para os colegas, para os alunos, logo, para consigo. Os sorrisos dos alunos, no final do ano, mostravam-lhe muitas coisas. Sabia que fazia bem o seu papel. E isso era tão, mas tão bom. Isso valia-lhe muito mais do que os zumbidos que agora ali ouvia.
Olhou pela janela e lá ia um grupo de alunos a sair da escola. Uma aluna olhou para cima, para a janela, sorriu-lhe e acenou-lhe um adeus. Os outros fizeram o mesmo. Um deles gritou: "Boas férias, stôr. A ver se é nosso para o ano. Veja lá!" Isso sim era importante.
Lamentava o que ouvia naquela sala e lamentava saber que os que ali estavam também sentiam esse lamento. Eram tão bons profissionais... mas sentiam-se impotentes.
E surgiu-lhe na cabeça: I'm most ignorant of what i am most assured.

Toys

People are like toys. Some of them talk. But none are naked.

Submarino

Hoje acordou e lembrou-se de um livro que tem como dos seus favoritos: "O Mar Por Cima", de Possidónio Cachapa.

"Por vezes, sou como um submarino com o mar a bater, desordenado, por cima."

Não se sentiu triste, dorido, vazio, nada. Sorriu, deu de comer aos gatos e saiu de casa.

Riding...

Por vezes ama-se tanto alguém que é melhor nem se pensar nisso porque a dor pode ser insuportável.

(Riding cars with boys)

Sem Comentários/Não é Arte!







À mesa:

N - Estive a ver o concerto da Madonna. Obrigaram-me a ver.
R - Qual deles?
N - Este último.
Z - E então, mudaste de opinião?
N - Não, nada. Só gostei de um tema. O "Substitute for love". O resto foi uma seca.
R - Uma seca?!
N - Sim, aquilo não transmite mensagem nenhuma. Não tem nada a ver com arte.
Z - Desculpa?
R - Aquilo que vi no Pavilhão Atlântico em 2004 foi arte, arte cheia de mensagens. Tal como todas as suas digressões.
Z - Tu achas que o que viste não transmite qualquer mensagem?
N - Não. Nem tem nada a ver com arte. Prefiro muito mais um concerto da Kylie Minogue ou de outros.
Z - Ok, podes preferir mas daí a dizeres que aquilo não é arte e não transmite qualquer mensagem...
N - Pois, não mesmo. Aquilo não tem qualquer valor.
Z - ...
R - ...

N sorriu (vitorioso e sabedor); Z engoliu um trago de cerveja e esfumaçou o cigarro; R olhou para o chão.

Sem comentarios!

Sentado à mesa de café, ouve da mesa do lado um grupo de três amigos:

Z – Aquela de perguntares: “São giros?” quando ele te disse que ia apresentar uns amigos... Ele passou-se. Achou aquilo a maior das futilidades da tua parte.
L – Então, ora, ainda por cima eles eram feios.
Z – E então? O que é que isso importa?
L – Então, para que é que ia querer conhecê-los?
Z – Porquê? Não era para possível namoro. Era para apresentar uns amigos, nada mais.
L – Ai, não quis.
Z - Ah isso é assim? Só te interessa conhecer pessoas bonitas?
L – Claro. Pelo menos que não sejam feias. Agora cá gente feia. Dispenso!
Z – Estás a falar a sério?
J – Estás surpreendido?
Z – Bem, quer dizer, vindo deste gajo, estou e não estou. Já sei como ele é. Adora dar este ar. O que vale é que parto do princípio de que ele está no gozo.
J – Eu concordo com ele.
Z – Concordas?
J - Tu, por acaso, dás-te com gente feia?
Z – Claro que sim. Eu não me dou ou deixo de dar com as pessoas por serem fisicamente isto ou aquilo. Então havia de ser lindo. No trabalho não me dava com muita gente. Mas o quê, vocês não se dão com pessoas que não sejam bonitas?
J – Oh, dar claro que sim, mas no trabalho é diferente. Não há outra hipótese. Mas não tenho amigos feios.
L – Sim, os feios não me puxam.
Z – Mas vocês estão a falar a sério?
J – Se pensares bem, os teus amigos podem não ser bonitos, mas feios não devem ser.
Z – Estás-me a dizer isso a mim? Sinceramente, nunca tal me passou pela cabeça. Tenho amigos feios e bonitos, mas não os escolhi por isso, como é óbvio. Estamos a falar de amizade, certo?
L – Ceeeerto.
J – Claro. As pessoas que não são feias, em geral, não se dão com pessoas feias, hás-de reparar..
L – Podem não ser bonitas mas não são feias, são normais.
Z – Olhem, estou parvo com isto.

E assim ele ficou... parvo... parvo com aquilo. Foi para casa e pensou: “Que raio de amigos tem aquele fulano?!” Apeteceu-lhe chamar-lhes, logo ali, vários nomes. Mas estava demasiado aparvalhado e sem palavras. Talvez fosse melhor pensar que estavam meeeeeesmo a gozar.