(3rd act) ...Superstar.

Abri a porta e lá estavam. Lilinha e Fatinha. Faltava a Regi. Beijei as duas, fui beijado, abracei e fui abraçado. Lilinha, mal entrei, deu um berro estridente, saltou da cadeira e atraca-se a mim, exagerada como sempre. “Ai estás tão lindo. Tu estás lindo! Já não me lembrava como és bonito. Ai que parva que sou, como se não me lembrasse. Mas olha que o ar da margem sul está-te a fazer bem. Ou anda por aí amor no ar? É que sou uma senhora de provecta idade e digo estes disparates. Bem, dá cá mais dois beijos. Ai que saudades. Já estás cá? E tu larga-o porque ele agora é meu e eu estou há horas à espera dele. Tu és uma miudinha e tens trabalho, vá, vá que é para isso que te pagam”. E Fátinha sorriu, riu e baixou os olhos. Vi que estava emocionada. Também eu e muito. Sempre nutri um especial carinho por aquela rapariga tão querida, atenciosa, observadora, educada, que estava na escola de manhã à noite e com quem ficava horas a conversar, a ajudarmo-nos mutuamente.
Ali ficámos a conversar antes de me dedicar ao trabalho. Regi iria voltar à escola para me ver. E voltou. Cerca de 1 hora depois a porta abriu-se e não era mais um colega que tinha sabido da minha presença na escola, era a “tia” Regi, toda ela repleta de Tommy Hilfiger, com o seu telemóvel Prada na mão e o cabelo cheio de madeixas ainda mais louríssimas. “Eu não acredito nisto! Em vez de ires buscar os meus filhos ao colégio estás aqui na conversa com estas duas sujeitinhas desocupadas e uma, ainda por cima, coitada, subalterna. Por favor! Eu agora tu és meu subalterno. Foste embora e eu fiquei como delegada de grupo. E veio para aí agora uma rapariguita do norte substituir-te um mês, coitadinha com aquele nome. Ricos pais que pensaram dar-lhe um nome péssimo daqueles.”
“Regi, deixaste-lhe a marca de baton na cara!”
“E então? É Yves Saint Laurent, não é dessas coisas lá dos chineses que tu e as pindéricas da escola onde ele está usam. Bem, é caro mas limpe lá isso da cara porque esse cabelo sem gel e essa barba imensa não estão com nada. Não quero cá colegas de Geografia com um aspecto assim. Não pode ser, não pode ser. Volte para aqui rapidamente mas faça-me essa barba, bem! Não me apareça mais assim à frente. O deserto da margem sul está a fazer-lhe mal. O menino não sabe que mais do que fazer cá falta, precisa dos meus conselhos?” Sempre a mesma. Adoro-a. Adoro-as às 3. Aquele trio é imparável! E ali estavam e estiveram as 3 até que eu terminasse o que tinha a fazer, sempre prontas a ajudar. Até depois das 21 horas. Regi foi embora mais cedo. “Tia” que é “tia” tem sempre imensos “piquenos” em casa à espera.
“Bem, vou-me embora mas para a semana quero-o cá, ouviu? Faça a barba, venha cá e diga a que horas porque a minha vida não é isto aqui fechada com esta gente. Pronto, o cabelito escapa!”
As 3 tão diferentes, com vidas tão diferentes, mas tão amigas, tão especiais enquanto singulares, enquanto trio.
E não sabia eu da missa a metade acerca da maluquice daquelas tipas.
Às tantas, ainda antes da Regi sair, no meio da conversa, da risota e da minha tentativa de concentração para trabalhar alguma coisa, a Fátinha liga o computador e a Lilinha diz-me para olhar.
Eu não estava a acreditar. Só podiam mesmo estar doidas de vez. Lilinha sorriu e, ao mesmo tempo, ficou de olhos molhados. Fátinha, corou, baixou a cabeça com ar maroto e entristecido e olhou-me pelo canto do olho. Regi inclinou-se tanto na cadeira com as gargalhadas dadas por si mesma que não só quase deixou cair o cigarro como ia caindo da mesma.
Era uma fotografia minha. Uma fotografia tirada há meses aquando de uma visita de final de ano lectivo para professores e funcionários da escola. Eu estava no pano de fundo do computador da sala! Não sei como fiquei exteriormente mas cá dentro foi como se tivesse levado um murro, mas um murro bom, se é que os há.
“Vocês não malucas, a sério! Porque é que meteram aquilo ali? Oh pá...”
“E pensas que está ali desde quando? Pois fica sabendo que está ali desde Setembro. Assim é como se estivesses aqui connosco todos os dias. E ficas ali no computador todos os dias até voltares para o pé de nós!”
“Gostou? Pois claro que adorou. Ideia minha, obviamente. Nós de Geografia somos de uma inteligência e chiques, chiques, claro. São só ideias giras, giras. Pois ficas ali. No outro dia um contratadeco qualquer de Ciências, com um cabelito todo rafeiro, atreveu-se a querer mudar o pano de fundo e coitadinho...”
Ainda disseram mais coisas mas eu não conseguia ouvir nada. Aquilo significava muito para mim. Eu ali no wallpaper daquela sala. Agora sim, agora sentia-me num imenso palco, um palco de emoções. Não tinha ido ver a peça à qual tanto queria ter ido mas, naquele instante, senti-me um verdadeiro Jesus Christ Superstar.
“Vá, vá... toca a trabalhar, não foi para isso que aqui vieste? Queres lá saber de nós. Não nos ligas nenhuma. Nunca cá vens, seu parvo. Olha que falamos em ti todos os dias. Vá, trabalhinho. Já te esqueceste do trabalho que tinhas aqui? Tinhas e vais ter porque tu vais voltar. Deixa lá de olhar para o ecrã, seu vaidoso. Não é para ficares convencido.”
E, de repente, o pano de fundo desaparece e surge o screensaver. Um fundo preto e, ao centro, umas letras laranja a completar a frase: “Waiting for you”.

(Fotografia do wallpaper)

7 comentários:

paulo disse...

fantástica a ideia das tuas amigas-colegas e fantástico wallpaper. Pessoas assim, não as acharás aos pontapés!
Mais uma vez, parabéns. E nada de lágrimas

TheTalesMaker disse...

Grandes amigas essas. A ideia foi do mais original que há. Uma surpresa do melhor.
Há pessoas assim, que marcam a vida de outros e deixam saudades. E como as querem ao seu lado arranjam mil e uma formas para terem algo seu perto de si e se lembrarem dessa pessoa.
E com isto tudo, podes ter perdido algo que querias mesmo muito ver, mas em compensação reviste algo ainda melhor.

Anónimo disse...

Gostei do derradeiro final ... elas amam-te ...bem, obviamente não integraste o videoclip do "Die Another Day" ou "American Life" porque Ela, não viu esta foto e como tal, injustamente não foste logo ao casting entrando à partida ... claaaaro.

Hydrargirum disse...

Gostei tanto do que escreveste...até fiquei comovido!

Pode ser uma vida difícil, que é, a de Professor...mas estes momentos são impagáveis...!

Anónimo disse...

Adorámos, adorámos ter-te cá e tu bem sabes. Esta sala não é a mm sem ti, sem a tua classe, o teu estilo, as tuas piadas fantásticas, a tua forma de ver o ensino, as tuas brincadeiras e pronto, és giro e ficas aqui bem. Faz sempre falta um homem giro.
E sim, estamos still waiting for you e enquanto n vens de vez, temos esta foto no wallpaper. E estás giro n estás? E ai de quem tire o nosso Zezinho daqui que vai ver a fúria destas 3 malucas.

Bem, agora a Lilinha que n percebe nada disto dos blogs vai escrever:

Zéeeeeeee meu lindo. Adorei a tua visita, meu chefinho de departamento. Isto sem ti não é a mesma coisa. Fartamo-nos de falar de ti, fazes tanta falta cá. Volta, volta, por favor. Ainda há esperança, quero acreditar que sim. :) (A Fátima disse-me para colocar aqui este simbolo que ela diz que é um sorriso).
Agora tens que vir cá mais vezes, é uma ordem nossa, sobretudo minha que já tenho uma certa idade e há que ter respeitinho aos mais velhos.
Sei que te dá mais jeito às quintas-feiras, é o meu dia de folga mas eu venho cá.
Um grande beijinho de saudades. Temos tantas saudades tuas, tantas. E esta visita só deu para matá-las um pouquinho.
Beijinhos

Agora eu outra vez porque esta está quase a chorar:
TU ÉS NOSSO. VEM, VEM E VEM!

Anónimo disse...

Momentos impagáveis mesmo. Já vi que há muita gente a gostar imenso de ti, mas também só podia. Tu és muito querido, tens imensas qualidades e o resultado é este.
Se não gostassem assim tanto de ti até ºpodias estar a vida inteira na escola que nunca terias uma recepção igual.
E na foto estás... tãaaaaooooo, tããoooooo.

Adorei a piada do brama.

Anónimo disse...

Depois de 10 anos eu sempre quero ver se os meus coleguinhas me fazem uma recepção assim.

Adorei.