(2nd act) ...Christ...

Os primeiros momentos foram ainda mais surreais do que esperava. Miúdos, ex-alunos, supostos actuais alunos a correr na minha direcção, mal viram o carro chegar. Uns a agarrarem-me, outros, mais ao longe, a chamar por mim, outros a esticarem as mãos, a querer dar beijinhos. “Então stôr, voltou? Nunca mais vinha, fogo! Yeeeeeaaaahhh! Amanhã já temos aula? Olhe, a Joana já não faz parte da turma mas ela está cá. Eu vou lá chama-la e ao Tiago também.”
Falavam deles, faziam perguntas, chamavam amigos...
“Por que raio tinha eu chegado precisamente no momento do intervalo maior?”
O que sucedeu na sala de professores não sei descrever porque recordo apenas uns flashes. Vozes a falar alto, o meu nome dito não sei quantas vezes, sorrisos rasgados, abraços, beijos, apertos de mão... Em segundos fui rodeado e nem me conseguia quase mexer. Meu Deus, senti-me corado qual tomate maduro, enervado, envergonhado, stressado, mas feliz, tão feliz. Lá veio o meu esforço para não deixar humedecer os olhos. Mas chorar era o que me apetecia. Aquelas pessoas adoravam-me mesmo, pronto. Algumas reacções vindas de algumas pessoas até foram, de certo modo, surpresa. Pessoas com quem nem me dava bem nem mal. Pessoas com quem nem tinha grande proximidade ali estavam com sorrisos genuínos. Aquilo ainda me comoveu mais. Senti-me, eu mesmo, qual Jesus Christ Superstar. “Afinal o teatro é ali”, pensei. E em vez de sentado numa cadeira, estava no palco iluminado ao ponto de não conseguir ver quem me rodeava. Estava ali tanta gente. A confusão era tal que nem sei quem beijei, abracei, quem me agarrou e tocou. Sei que, por pouco, ia beijando um colega de Educação Física, tal era o emaranhado em torno de mim. “Eh lá, sentimos saudades tuas mas não é preciso beijares-me, então. Eh pá, volta mas é para cá!”
Eram professores, funcionários, alunos a espreitar à porta da sala... Senti-me importante, mesmo muito importante, com um sorriso na cara que não conseguia tirar. Parecia que me tinham colado a boca às orelhas ao ponto de já me doerem os maxilares. Um misto de alegria e tristeza. Eu senti-o em mim. E senti-o nos olhos dos outros. Já não estava a trabalhar naquela escola, mas fazia parte dela. Os sorrisos mostravam isso e a tristeza de já não ali estar diariamente, também.
Os colegas novos na escola olhavam para tal cenário como que questionando quem seria aquela ave rara que parecia ter chegado da guerra. Um ou outro sorriam, outros segredavam, outros fingiam que não reparavam muito, outros olhavam mesmo espantados.
E à minha volta continuava o turbilhão. Uns perguntavam umas coisas, outros outras, todos queriam ouvir cada sílaba por mim pronunciada. “Parece que Cristo desceu à Terra” ouvi alguém dizer bem alto e a rir. Ri-me com aquilo. Engraçado, eu que era para, dali a horas, ir vê-lo, ao Cristo, mas ao teatro.
Que saudades tinha eu daquelas pessoas. Uma década não são 10 dias, 10 semanas, nem 10 meses.
Mas faltavam-me ali 3 figuras, 3 figuras fundamentais, 3 peças preciosas naquele edifício, naquela escola, naquela sala. Claro, estariam, certamente, na salinha ao lado. A “nossa” sala. A sala dos fumadores. A sala que estimávamos, que enfeitávamos, que era nossa para trabalhar, para conversar, para discutir, para rir, para brincar mais do que os alunos.
Com os ânimos mais calmos lá fui.

6 comentários:

paulo disse...

Comovente, simplesmente isso. Compreendo muito bem o que viveste, até porque já passei por isso e por isso mesmo não volto aonde já dei aulas. Não aguentaria sem chorar e regressaria à vida ainda pior. E ainda por cima no intervalo maior. Mas ter uma recepção assim é fabuloso e ainda bem!

TheTalesMaker disse...

Ponto um: ok já entendi o que ias ver ao teatro.
Ponto dois: De facto é bom saber que se tem mesmo amigos, ainda mais no local de trabalho, onde se passa boa parte da nossa vida.
Já agora estava mesmo a imaginar-te com o pessoal à volta e tu nervosíssimo a precisar de um cigarro, isto quando começo a chegar ao final deste post e a-ha, lá falas tu na sala de fumo que tanto já me descreveste, nomeadamente devido a uma colega tua que detesta o fumo.

Anónimo disse...

Pronto mais "um raio de luz ardente" ...

Hydrargirum disse...

Belos momentos!
E sendo genuínos, então as pessoas tem de gostar muito de ti...e se sim, isso diz muito da tua pessoa...!
Parabens...não conheço muita gente assim:)

Anónimo disse...

É para veres o quanto te adoramos. Tu és fundamental, n sabias? Há pessoas q vieram de propósito para te ver. Um luxo!

Anónimo disse...

Emocionei-me, acreditas?