Bocad(inh)os

- Posso dizer-te uma coisa?
- Claro. O quê?
- Tu és lindo.
- Oh, whatever!
- A sério, eu acho. A tua cara, o teu olhar, o teu aspecto… eu por dentro já sabia que sim, desde que começámos a falar na net.
- Na net cada um mostra-se como quer, sabemos lá!
- Também é verdade mas pronto, achei. Claro que quando há bocado te vi chegar, quase que me assustei, confesso.
- Porquê?
- Porque já te tinha visto na noite.
- E então?
- E então achava-te um bocado… ainda por cima a fumar.
- Altivo, snob, arrogante, com um ar insuportável, certo?
- Pois, isso. Um bocado, sim. Sou um bocado preconceituoso nestas cenas.
- Sim, deixa lá, eu também.
- E quando te vi chegar, passei-me. Do tipo, não acredito, é este gajo, deve ser cá uma puta?
- Sim, eu mesmo. Altivo, snob, arrogante…that’s me. Puta não sou, isso não sou. De resto sou tudo isso.
- Pois, mas não és. Parece que és mas não és. É que a roupa e a altura ajudam.
- Como assim?
- Como és muito alto e te vestes assim…e depois vi-te a chegar com esses óculos escuros… e a tua maneira de andar.
- Visto-me como?
- Vestes-te bem, com estilo.
- Olha, tu também e eu não achei que fosses snob. Mas entendo-te, já estou habituado. Eu devo dar mesmo uma ideia muito errada às pessoas.
- Pois, mas eu tenho um ar mais normalzito.
- Eu também sou normalzito.
- Não, não és. Tens pinta de modelo. Nunca pensaste ser modelo?
- Já me convidaram, um estilista da praça um dia até me perguntou qual era a minha agência… já me abordaram na rua por causa disso, mas eu nunca quis e além disso não tenho corpo e sou tímido.
- Tens atitude. Velho? Tu tens ar de miúdo com essa carinha.
- Mas não sou e teria vergonha.
- E é isso que ainda te torna mais… é teres esse ar e depois seres tímido. Tens porte, presença, com um ar todo muito decidido mas depois és… Há bocado percebi isso, coravas quando eu dizia alguma coisa. Ficas assim meio…
- Meio perdido.
- Sim. Tem tanta graça.
- Olha, tu és sempre assim?
- Assim, como?
- Assim, todo cheio de elogios para as pessoas que conheces?
- Não, nada mesmo. Fico sempre tímido também. Mas olha, não penses que já conheci muitos gajos. Já teclei com muitos mas marcar encontros e assim café, só com poucos. Sou muito esquisito e a maior parte dos gajos basta-me estar uma meia-hora e quanto muito ficam amigos. E mesmo assim não são muitos.
- Então mas o teu objectivo não é a amizade? Conhecer possíveis amigos?
- Sim, é. Acima de tudo é. Mas também há sempre aquela hipótese de conhecer alguém especial.
- E não tens conhecido, é isso?
- Pois, é. Eu preciso de sentir qualquer coisa e não aconteceu. Sou muito exigente, até demais.
- Entendo-te perfeitamente. Eu então…
- Mas agora é diferente.
- Porquê?
- Porque aqui contigo sinto-me diferente.
- Sem timidez!
- Que parvo. Não é isso. Até estou nervoso. Mas é o que te digo… tu és muito bonito. Gosto de estar aqui ao pé de ti.
- Oh homem, gente bonita é o que não falta aí.
- Mas não é só isso, és bonito por dentro e por fora.
- Desculpa a sinceridade mas estou cansado de me dizerem isso. Não leves a mal. Isto soa mal, não soa? Mas estou farto de elogios. Não é que não goste. Claro que gosto, mas acho-os sempre um bocado exagerados. E estou farto de ser assim tão maravilhoso e depois só me dou mal.
- Se te dizem é porque é verdade, não?
- 1º é um grande exagero. Diz-se para agradar. 2º não sou nem metade disso. 3º mesmo que fosse, não me serve de nada.
- Serve. Serve para eu sentir como me sinto. Quando te vim conhecer vinha muito nervoso porque me pareceu que eras qualquer coisa de diferente e, depois do primeiro impacto, vejo que és ainda mais.
- Diferente?
- Diferente, especial.
- Obrigado, a sério, mas não sou.
- Posso dar-te um beijo?
- O quê? Ok, tá bem, podes.
- Não, não é na cara.
- Pois, mas é melhor não.
- Pois, é melhor. Olha, nem na cara. Seria um desastre. Depois do que já falámos desde há horas, depois do que sinto…ainda ia sentir mais.
- E não queres sentir?
- Quero. Quero porque das vezes que falámos vejo que temos muito em comum e vemos os relacionamentos da mesma maneira…
- Sim, e sou lindo, uma maravilha. Do melhor que há!
- És, és mesmo.
- Fantástico!
- Mas porque é que agora estás a falar assim, com essa indiferença, ironismo?
- Desculpa, mas é que já te tinha dito que não ando bem, não quero, não posso e não devo começar nada com ninguém. Eu disse-te, não disse? Não vai ser bom para esse alguém. Ia estar a usar essa pessoa, a servir-me de bengala. Isso não quero.
- Sim, disseste, tens razão.
- E dizes que vemos os relacionamentos da mesma maneira…mas até quando? Vês agora assim mas daqui a uns tempos será que vais ver?
- Claro que sim. Eu já tive outras relações e sempre vi as coisas assim. Por isso é que terminaram. Porque as pessoas não lutam, preferem outras coisas. Já tínhamos falado nisto.
- Pois, eu sei. Eu também via as coisas assim.
- Já não vês?
- Disse-te que não. Já não acredito nas relações, nas relações honestas, com sinceridade a dois, sem esquemas, mentiras, merdas pelo meio. Aquela coisa bonita entre duas pessoas…já não.
- Mas eu estou-te a dizer que sou assim.
- Sim, estás agora…desculpa. Não leves a mal.
- Tu não queres tentar nada comigo, pois não? Sou assim tão feio e desinteressante? Desiludi-te?
- Tu? Não tens espelhos? Já olhaste bem para ti? Speaking about beauty. E olha que eu não acho quase ninguém muito bonito. Tu és muito atraente. Além disso pareces-me ser uma pessoa impecável e que vê as coisas como eu…mas vês agora. E depois? E depois como é que vai ser?
- Eu acredito no amor. Custa-me saber que não acreditas.
- Quem disse que eu não acredito? Acredito e muito. Nada mexe mais comigo do que o amor, nada me move mais. Acredito no amor mais do que em tudo o resto. É o mais importante para mim.
- Então acreditas ou não, afinal? Tu baralhas-me.
- Acreditar no amor é diferente de acreditar nas relações. E nessas já não acredito. Nos moldes como quero e sempre quis uma, já não acredito. Desculpa, tinha-te dito que não me sinto preparado para confiar em ninguém. Já não vejo as relações da mesma forma.
- É pena, muita pena que tenhas deixado de acreditar que é possível. Já pensaste que assim poderás estar a deitar fora oportunidades únicas? Vê-se tão bem que queres ser amado. E isso ainda te torna mais… Oh rapaz, tu estás mesmo a mexer comigo.
- Desculpa, desculpa se vieste com uma esperança e eu a deitei abaixo.
- Não tens culpa nenhuma. Tu já me tinhas dito. Eu é que te tenho aqui mesmo ao lado, ponho-me a pensar no que já tanto falámos, olho para ti e… eu já não queria alguém lindo por fora e tu ainda por cima és. Nunca pensei vir a encontrar alguém como tu, nem lá perto, e tu aqui estás. Acredita, eu não digo isto a ninguém. Mas sinto mesmo que tu és…
- Desculpa, para já não dá. Se não me quiseres voltar a ver, entendo. Talvez seja o melhor.
- Achas? Achas que eu vou desistir assim? És um docinho, sabes?
- Só faltava agora ser um biscoitinho.
- E és.
- Não digas isso, a sério, não digas. Tenho que me ir embora. Ainda não fui a casa e os gatos devem estar cheios de fome.
- Mas que disse eu? Vais-te assim embora?
- Não me chames de biscoitinho, nem nada que termine em “inho”, coisas desse género, por favor. Vá, tenho que ir ver dos gatos.
- Desculpa, então.
- Não faz mal, ora! Vá, vou.
- Tens o carro onde? Queres que vá contigo?
- Não, deixa estar. Tudo bem. Depois falamos. Logo, na net, ou assim.
- Ok, pronto. Mas eu vou contigo até ao carro.
Caminharam até ao carro. Um ainda falou algumas coisas. O outro nada disse. Apertaram a mão. Despediram-se até dali a umas horas na net.
Bateu no vidro. O outro abriu-o, já com uma mão no volante.
- Olha, sabes, gosto muito de gatos. Também tenho um.
- Sim, já me tinhas dito.
- É que estava a pensar que era giro a Camila e o…
- Bruno.
- Isso, Bruno…conhecerem o meu puto. Imagina que se davam bem.
- Oooooooo, duvido. Já estou a ver a Camila pior que estragada com o intruso.
- Não duvides. Não deixes de acreditar. Vá, pensa nisso... oh lindo, sem “inho”.

7 comentários:

Anónimo disse...

Meu Deus, lembras-te tão bem de cada frase. Foi tal e qual assim. Até estou encabrunhado. Tu de facto. Até me arrepiei todo.

Até parece que foi mesmo agora. Afinal lembras-te bem de tudo, já pensaste nisso?

Eu adorei conhecer-te e cada vez gosto mais de ti, seu tudo menos "inho" lololol

Ainda me hás-de explicar essa história do "inho".

Eu percebi que a caminho do carro só eu é que falei e que tu estavas com a cabeça noutra dimensão mas não me importei e nem me importo.

Gosto muito de ti, muito mesmo.

E ainda havemos de apresentar o meu 4 patas aos teus 2x4 patas.

Vá, eu tenho telemobil, vê se me ligas. Aparece no msn.

Tenho saudades tuas, das tuas opiniões, divagações, piadas, de conversar contigo.

Anónimo disse...

Por vezes podemos ter todas as razões para ser desconfiados, porque já sofremos e fomos magoados. Mas é necessário continuar a viver. E isso implica arriscar, caso contrário acabamos por ter uma existência pacata, minimamente organizada, mas sem aquelas coisas que realmente fazem falta ao coração e são essenciais à nossa existência!

Anónimo disse...

Concordo completamente com o/a Suspeita.

Anónimo disse...

Quando se acredita no amor n se desiste. Vamo-nos arrepender para sempre se desistirmos dele. Luta-se até n se ter mais forças, até n haver já folego.

É ao lado de quem amamos q devemos ficar e o resto é conversa.

Paulo Morgado disse...

Quem não arrisca não petisca, rapaz. O MEDO não nos leva a lado nenhum. Não podemos ter medo de viver. Vive o AGORA e lida com o futuro quando ele chegar. sofrer faz parte da exstencia e há que saber ter força e lidar com isso. Mas não podemos inibir-nos de viver por medo do sofrer. esquece-se com mais facilidade as coisas más que as coisas boas. É o nosso mecanismo de autodefesa.
Faz-te à vida.
Toda esta conversa me pareceu um monte de racionalizações e autocomiseração.
Mas pensa bem. Terás mesmo medo de sofrer ou será que secretamente preferes uma vida mais à solta e é a ideia de um compromisso e monogamia o que verdadeiramente te assusta?
Pensa nisso.
Um abraço amigo.

Mary Lamb disse...

Muito lindo. Parabéns.
Muita força e quero ver onde isto vai parar. Vou continuar por aqui mais um bocadinho. Posso?

Frankenstakion disse...

Vá, deêm-se uma hipótese!!!