Depois da Manif... a Cura.



Depois da marcante, imponente e indescritível manifestação de professores durante a tarde (da qual não me apetece falar), uma tarde em que revi alguns colegas, perdi-me de outros, em que os telemóveis não tinham rede... lá fui, num metropolitano, a fazer lembrar o de Tóquio, a caminho da Gare do Oriente para assistir ao concerto dos enigmáticos The Cure.
Um concerto que fica para a história, pelo menos para a minha e para a grande maioria dos que lá estavam.
Ontem à noite, o cenário falava por si. Um Atlântico a rebentar pelas costuras, com muita gente na casa dos 30 anos mas também alguns góticos e punks trajados a rigor, muito rigor, a maioria provenientes de Espanha.
Havia muita curiosidade no ar. Como estariam eles após 32 anos de carreira? Como seria o concerto? A voz do Robert Smith estaria à altura? Estava ali uma panóplia de gentes, culturas, estilos e gostos à espera e com fé, muita fé na banda de culto. E uma fé que, aos primeiros minutos foi justificada.
Em vésperas de lançar um novo álbum, o 13º do seu historial, os The Cure são uma banda plena de confiança e, tão ou mais importante, uma banda que se diverte em palco. Robert Smith, com o seu jeito atabalhoado, de gestos desengonçados, qual palhaço decadente, a lembrar um boneco de trapos, uma personagem do Tim Burton, nunca terá sido propriamente um «animal de palco» e isso ainda o torna mais fascinate. Ontem, em todas as músicas em que se viu «livre» da guitarra, passeou-se frente às primeiras filas e, no seu estilo meio acabrunhado, perdido, fez questão de olhar nos olhos os fãs, tantas vezes sem pestanejar. É, de facto, uma figura notável!
Depois de quase 40 músicas e de 4 encores, o público, ao fim de três horas e pico de música, queria mais. Estava pronto para ficar ali até de madrugada. Havia um clima de enorme respeito e admiração por esta banda que resvala, e ainda bem, entre o punk, o gótico e o pop.
A devoção começou, como previsto, pouco depois das 21h00. De forma quase cerimoniosa, a multidão aguardava a entrada dos The Cure em palco, por esta altura iluminado apenas por pequenas estrelas azuis. Os quatro músicos chegaram, em pezinhos de lã, e atiraram-se, sem mais delongas, a um som grandioso que encheu o pavilhão.
Um careca de blusa justa e saia, a lembrar o Neo do "Matrix", outro de roupa justa, de cima a baixo, e um terceiro de braços altamente musculados e tatuados em riste. Todos de preto, claro. E o Robert. Com umas roupas negras largas, os lábios borrados de vermelho, os olhos imensamente negros e a sombra da sua característica «trunfa» reflectida nas paredes do Atlântico, o autor dos The Cure deixou-me boquiaberto. Um boneco, ora querido, ora terno, ora assustador, com um vozeirão extraordinário!
Nunca fui um grande fã, mas sempre gostei muito deles. Ontem rendi-me à qualidade, aos acordes, ao estilo, ao som, a tudo, E à voz, única, mas que nunca me fez parar a respiração. Ontem fez e fez muitas vezes. Grande, grande, grande voz, sim senhor. Impressionante a capacidade vocal deste quase cinquentão. Uma voz notável, no mínimo!
Ali se mostrou que como uma música pode ser, simultaneamente, íntima e partilhável por um número absurdo de desconhecidos reunidos na mesma sala. O público, respeitoso, acusou a beleza de vários momentos, irrompendo em aplausos emocionados.
Eu estava longe, no primeiro balcão mas imagino as sensações de quem estava mesmo junto ao palco. Esses, os fãs acérrimos cantavam tudo de ponta a ponta, iam às nuvens e voltavam. Mas a voz de Mr. Smith é tal que quase nem esses devotos muitos cânticos se ouviam do público.
Por ali se andou em registos negros, soturnos, tristes, decadentes mas também de alegria, entusiasmo, animação e descontracção pop que quase transformou o Atlântico numa pista de dança. Os The Cure são assim, ora negros até mais não, ora floridos e a percorrer todo o espectro electromagnético.
Eu estava aflito para ir à casa de banho mas não arredava pé, não conseguia. Era impossível. Ninguém dali saía. Mais ruga menos ruga, mais peso, menos peso, todos acreditámos nas palavras do homem que se despediu de uma sala a seus pés com um singelo «Thank you, see you again».


(Why can't i be you)


(Lullaby)


(Love song)


(Friday, i'm in love)

8 comentários:

Anónimo disse...

Adorava ter ido. Ouvi dizer que foi lindo e pelos vistos tu concordas.
Sempre adorei o estilo inigualável do Robert Smith. Deve ter sido especial, de facto.

À manifestação não fui, não gosto de ajuntamentos, fazem-me confusão e sentir mal mas como sabes estou muito revoltada e estive aqui em casa a par do q se ia passando na manifestação.
Vamos lá ver no que vai dar mas não me parece que vá adiantar grande coisa. Aquela mulher não cede, incrivel.

Um beijinho e um bom resto de fim de semana.

Anónimo disse...

Não tinha sequer a ideia de que ele poderia ter uma grande voz. Mas, bem, 40 músicas ... quantas horas durou o concerto?

Sabes, a meio da manifestação passou por nós um grupo de góticos absolutamente estrondosos ... com um notável cuidado na imagem ... maravilhosos. Passaram mesmo à nossa frente, enquanto desfilávamos na marcha. Até houve um qualquer professor que, em jeito de brincadeira disse "Será que vão ali o Sócrates e a Milu disfarçadamente?".
Provavelmente iriam para o concerto. Engraçado, ontem não percebi que afinal ias para o concerto, achei que terias outro compromisso qualquer ... também no meio de toda aquela confusão, mal se ouvia alguma coisa ...

Graduated Fool disse...

Brama, no texto diz quanto tempo durou o concerto.

Sim, o homem tem uma capacidade vocal extraordinária!
Tu ias gostar muito do ambiente vivido no concerto. Muito mágico, muito soturno e, ao mesmo tempo, psicadélico.

Pronto, vêem-se 2 pessoas com um look diferente na rua e já é motivo de piadinha fácil. Ai vidas!

Anónimo disse...

Não eram duas, era um grupo de uns seis ou sete ... absolutamente fabulosos mesmo

Anónimo disse...

Não eram duas, era um grupo de uns seis ou sete ... absolutamente fabulosos mesmo

Anónimo disse...

Que inveja. Queria ir ver mas fui adiando e depois já n havia bilhetes. :(

O Robert Smith é um marco da musica europeia, de um look gótico difertente, um marco da musica mundial.

Deambula pelo gótico e pelo pop de uma forma unica e com uma voz única.

Gosto imenso do jeito atabalhoado dele.

Anónimo disse...

Não conheço bem mas já ouvi dizer que foi mto bom.

Ainda bem que gostaste. :)

TheTalesMaker disse...

O vosso entusiasmo pós concerto estava patente nas caras. E que dia em cheio foi este para você. Manif, concerto e noitada. E claro, depois o descanso do guerreiro.