Casa de Campo (parte 1)

Estava cansado. Estava farto. Farto do trabalho, da cidade, da familia... farto das pessoas.
Até a sua casa na cidade o incomodava. Era apenas um espaço para onde fugia sempre que saía do emprego. Onde se isolava de tudo e de todos. Desligava o telemóvel durante dias a fio e o telefone fixo já há muito que não tinha ligação à tomada.
Ansiava pelos fins-de-semana. Quinta-feira à noite preparava a mala velha, de um ginásio ao qual não ia há muito, para que na sexta-feira, mal saísse daquele escritório, pegasse no Fiat Punto e partisse para a casa do campo.
Ele e o Manel, o Golden Retriever. Tinha-o comprado para colmatar a falha, a falta, o buraco, o vazio que lhe ocupava o peito. Não tinha resultado. 2 anos depois não resultava ainda. A dor estava lá, o amor por ela também. Mas ela tinha-o deixado e ele nada podia fazer. Tinha perdido uma parte de si e, sentindo-se perto da morte, sem querer esse destino, procurou forças na companhia do Manel.
Ainda chorava, ainda acordava a meio da noite sentindo o braço dela a tocar o seu. Ela estava feliz com o filho de um outro companheiro. Ele tinha o Manel e já nem dos amigos queria conforto. Esses já dele tinham desistido. Têm as suas vidas, têm mais do que fazer. Ele não se importava. Estava farto das pessoas.
Era ele e o Manel, todos os fins-de-semana a caminho daquela casa, a casa que ele comprou e se mantém velha por não ter ele dinheiro para as obras pensadas.
Tal como o Manel, tinha-a comprado para colmatar a falha, para ter objectivos, para se sentir ocupado, para se sentir vivo. A ela regressava todas as sextas-feiras à noite e dela se despedia na segunda-feira de manhã, antes da chegada ao trabalho, depois de deixar o Manel na casa da cidade, ambas, casa e cidade, tão detestadas.
Era a cidade onde tinha vivido anos de relação. Era a cidade que tinha acompanhado as suas alegrias, agora tristezas. Era a cidade onde ela vivia com outro. A cidade onde ela passeava com o filho que não era o dele. A cidade onde o medo de a encontrar a qualquer esquina o corroía por dentro.
Chegou à casa do campo. Tal como nos filmes, era uma casa longe de qualquer outra. Velha, pequena, rodeada de árvores e com um alpendre de telhado estragado.
Saíu do carro, abriu a porta ao Manel, que saltava e ladrava de alegria, e entrou em casa.
O computador ficava na outra casa, o telemóvel também. Além de roupa e alimentos só trazia cd's, sempre.
Dirigiu-se à aparelhagem e colocou a banda sonora do filme "The Mission". Obviamente, deu luz a todas a velas, abriu uma garrafa de vinho e dirigiu-se à casa-de-banho.
Era o cenário de um filme e isso agradava-lhe.

3 comentários:

Hydrargirum disse...

Pronto...até aqui estou a gostar...vamos ver como se desenvolve a história...:)

Templo do Giraldo disse...

Passei por aqui para te desejar uma boa pascoa e muitas amendoas.

Tudo de bom.

Um abraço do templo.

Anónimo disse...

Ainda não li a outra parte ... gosto desta.
Quantas vezes não tentamos ocupar a nossa cabeça com coisas que nos "obrigam" a continuar e não desistir de vez ... recorremos a todos os artifícios para sobreviver