As malas.

Tinha chegado. O avião aterrou, esperou pela mala, esperou, esperou e só mais de uma hora depois saiu do aeroporto. Estava calor, pelo menos mais calor do que em atmosferas dinamarquesas de onde vinha meio constipado. Tirou o casaco, pegou no isqueiro, pegou num cigarro e ficou ali na rua, a uns dois metros de uma das portas de vidro do edifício. A polícia a apitar aos carros que teimavam em parar onde, estupidamente, a lei não permitia, pessoas a entrar e a sair, carrinhos de malas ocupados ou perdidos nos passeios, autocarros a passar, táxis a parar e a partir, mas o dele apanharia quando terminasse o cigarro. Não queria ouvir as habituais conversas de taxista mas também o silêncio dos que conduzem sem mais que isso.
Fumou e olhou em redor. “Haverá coisa mais triste do que chegar ao meu país e não ter ninguém à espera?” pensou. Olhou para o telemóvel e nada, nem uma chamada, nem uma mensagem. Sabiam que ele chagava, quando chegava, que precisava de boleia, mas ninguém estava lá. Havia sorrisos de esperas por passageiros mas nenhum sorriso para ele. Nem um rosto, uma figura, ninguém. De repente preferiu ser novamente um estrangeiro a chegar algures e a ver um cartaz amarelecido com o seu nome escrito a caneta de feltro. Assim havia sido há semanas quando chegou ao norte da Europa.
Estava sozinho. “Peço imensa desculpa mas... é que as suas malas foram encaminhadas, por engano, para Heathrow. Mas não se preocupe porque a situação...” disse a senhora atrás do balcão de reclamações. Ele não ouviu mais as explicações, as desculpas, os procedimentos a tomar. Saiu dali e foi para a porta fumar. Estava sozinho e não eram as malas que lhe faziam falta. Faziam mas ele não queria saber. Naquele momento não queria saber. Eram malas, roupas, papeis, coisas das quais não queria saber. Estava sozinho à saída do aeroporto. Entraria sozinho no táxi de onde sairia sozinho. Subiria o elevador sozinho e assim entraria em casa. Sentar-se-ia no seu cadeirão, sozinho. Fumaria mais um cigarro, sozinho.
Lembrou-se de uma colega de trabalho que lhe disse: “Falta-te amor. Tens de voltar a amar e a ser amado. Andas muito acabrunhado, homem!” Ela não sabia. Ele amava e era amado. Mas de que lhe valia isso se tinha chegado ao aeroporto, ao seu país, se fumava, se entraria e sairia do táxi e fumaria mais um cigarro no seu cadeirão, sozinho?
Mais tarde levantou-se do seu cadeirão e ligou para o aeroporto. Tinha de reaver as suas coisas, o que era seu.

6 comentários:

Unknown disse...

E eu que não acredito em coincidências! Só não me perderam foi as malas...

Anónimo disse...

Há pessoas que se sentem assim... é triste, muito triste.

Gostei muito do final, muito mm.

Anónimo disse...

:(

João Roque disse...

Agora com amores distantes, a ida a aeroportos tem sido mais ampla; e quando vou buscar alguém, reparo bastante nas reações das pessoas que chegam; é um desfilar de emoções, desde as efusivas, às banais e às daqueles que descreves e tão bem se notam, por vezes...

paulo disse...

os objectos podem reclamar-se como nossos, as pessoas não! nunca nos pertencem. são caminhos autónomos que por vezes acompanham o nosso. mas só isso, quando não imaginávamos, lá vamos nós caminhando sozinhos. again. and again.

abraço!

Anónimo disse...

o comentário do paulo diz o essencial e perfeitamente. O final da tua estória é a constatação disso mesmo.