Tinha finalmente chegado ao muro, ao que resta dele. E ainda é tanto. Mas hoje, um muro sem o peso de um passado triste ainda tão recente. De um lado a RDA, do outro a RFA. Um valor historio imenso. Hoje, mais de uma década após a queda, aparentemente um muro velho, pintado, desenhado, riscado, escrito com as frases mais significativas e com as mais idiotas possíveis de imaginar. Mas quem ali vai sente, percebe que é mais, muito mais do que isso.
Ali estava ele e o muro. Ele, o muro e mais umas muitas dezenas de pessoas das várias nacionalidades, credos, idades e visuais. O que pensariam elas? Como se sentiriam? Ele sentia respeito, acima de tudo isso, respeito. Também tristeza. O mundo ainda tem tantos e tantos muros. Políticos, económicos, sociais, mentais. Este, pelo menos, tinha sido deitado abaixo. E isso era tão bom. Isso fazia-o sorrir.
Sentiu uma enorme necessidade de ali deixar a sua marca. Não porque outros o tinham feito e continuariam a fazer, mas porque ele queria. Queria independentemente dos outros escritos, das outras mensagens, dos outros desenhos e pinturas. Ele queria e imediatamente soube que marca deixar, o que queria e iria escrever.
Mas não queria que mais ninguém soubesse. Não os que ali estavam e tinham ido com ele. Ninguém a não ser ele. Aquilo era tão, mas tão importante para si. Sorriu por isso. Haveria de conseguir sem que dessem conta. Seria algo seu, algo só seu, algo em que ninguém tinha de meter o bedelho, comentar, sequer dar-se ao luxo de pensar algo a propósito.
Esperou, foi fotografando, foi observando as atitudes das pessoas ao percorrerem aquele caminho, foi tocando no muro, chegou a arrancar-lhe um bocadinho. Um bocadinho laranja que trás na sua carteira. Um bocadinho que, entretanto, se partiu noutros bocadinhos.
Esperou, esperou e esperou. Nunca mais surgia a oportunidade. Ou alguém falava com ele, ou alguém olhava para ele, ou alguém esperava por ele. Um cada vez maior e mais intenso nervosismo subia-lhe pelo corpo. “Vá, vão andando. Vão-se embora. Eu já vos apanho!”
E quando, finalmente, conseguiu atrasar suficientemente o passo para que o grupo de viajantes se afastasse dele, pegou numa caneta que tinha ali mesmo destinada para o efeito e escreveu. Escreveu letra após letra. E ficou, por uns momentos a olhar. Depois fotografou. Primeiro o pormenor, depois um pouco mais afastado, mais e mais. Ali estava. Ali estava aquilo que, desde o primeiro momento em que viu os restos do muro, queria e sabia que iria escrever. Ali estava algo que, sem exagero, era tão importante para ele quanto aquele muro foi para a História do mundo. E nele fez questão de deixar aquela marca para sempre.
Apressou o passo e juntou-se ao grupo. Ninguém lhe perguntou nada. Ainda bem. Certamente acharam que ele havia ficado para trás por causa da sua mania de fotografar. Juntou-se-lhes de sorriso nos lábios. Um sorriso por ter conseguido, um sorriso pelo que escreveu.
Depois outro sentimento começou a aflorar em si. Tinha de contar a outra pessoa. Não queria guardar só para ele. Tinha de contar. E contou. Horas depois contou. Num dia muito especial contou. Sabia que essa pessoa ia achar aquilo muito bonito e com um grande significado. Enganou-se. Ela não só nada disse, inicialmente, como depois disse o que ele não supôs vir a ouvir.
Sentiu um imenso muro, de toneladas de betão, cair-lhe em cima e esmagá-lo. Depois percebeu que, por muito que o muro pese, por muito que o esmague, nele está escrito o que ele queria escrever. E lá estará escrito, lá estará marcado... para sempre. E isso ninguém lhe tira, isso é tão, mas tão importante, mesmo que só para si.
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9 comentários:
desculpa n consigo comentar...eu nasci na antiga RFA e esse muro ainda me toca mt
Pena quando queremos partilhar algo apenas com uma pessoa e essa pessoa se está a borrifar. É triste, mto triste.
Seria alguém mto especial para ele e para quem ele não o és.
Nunca fui a Berlim e acredito que deve ser mto intenso visitar o que resta do muro, sobretudo para alguém como o pedropina que vivenciou essa altura.
Achei linda a tua atitude de escreveres algo muito importante para ti e ao que vejo julgavas ser tb muito importante para outra pessoa que estupidamente parece que se marimbou para isso.
Queres um conselho... não des importancia a quem não te dá importancia a ti,
Fiquei muito curioso em saber o que escreveu ele no muro.
Ainda no outro dia vi um documentário sobre a queda do muro e impressionou-me mto por isso entendo a importancia q deve ter sido para ele escrever o que escreveu.
De certeza que foi um momento mto intenso e especial que revelou a alguém que me parece não ser afinal mto especial.
“Vá, vão andando. Vão-se embora. Eu já vos apanho!” Imagino o stress de querer mto fazer uma coisa e n nos largarem.
Mas lá conseguiu ele o que queria. E é por isso que deve ficar feliz, n pq n sei quem n ligou nenhuma e ainda reagiu como ele n queria.
Está lá, está escrito e ficará lá para todo o sempre e isso é q importa.
Não vou comentar isto a não ser dizer que acho revoltante querer-se apenas partilhar isto com uma pessoa e essa pessoa não estar nem aí.
Há pessoas que não sabem mm dar valor a nada do q realmente importa. Pensa nisso.
Será que o que ele escreveu foi assim tão mau sobre essa pessoa a quem contou? Só pode.
Se não foi então ele devia lá voltar e riscar o que escreveu ou escrever algo a mandar a pessoa para um certo e determinado lugar. Mas se escreveu fez bem escrever e se isso o faz feliz é muito bom. Pena a reacção. Vivendo e aprendendo, é o que digo.
Eu fui há uns anos a Berlim e confesso que também o muro mexeu comigo. Não escrevi nada mas hoje ao ler este texto quase que me arrependo por isso.
Deve ter escrito uma bela m******* deve.
Sim, de facto ainda há muitos e muitos muros por derrubar ... gostaria de acreditar que a Humanidade não desapareceria sem que todos os muros tivessem derrubados e finalmente começassemos todos a falar a mesma linguagem ou pelo menos que compreendessemos e aceitassemos as dos outros. Claro que tu adoras criar suspense e pôr toda a gente a pensar que raio de palavra terias escrito no muro ...mas se é pessoal é pessoal, ninguém tem de saber.
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