Miluzinhos e Socretinos

Hoje foi o dia limite para entregar os objectivos individuais na minha escola.
Hoje foi o dia em que muitos lá foram entregar um papel com objectivos que sabem, à partida, estarem atingidos.
Hoje foi o dia em que muitos foram entregar um papel com objectivos que, por lógica, deviam ser estipulados no início do ano lectivo, não a meio do mesmo.
Hoje foi o dia em que muitos lá foram entregar um papel com objectivos que supostamente se propõem a atingir mas que já atingiram há meses atrás.
Hoje foi o dia em que um papel fez a diferença, uma grande, grande diferença.
Hoje foi o dia que separou aqueles que obedecem a uma política educativa completamente absurda daqueles que continuam em pé, sem desistir, sem caminhar num chão que todos sabem tortuoso, pedregoso, medíocre, lamentável, sem sentido, que não premeia quem, efectivamente, merece, mas que talvez venha a prejudicar quem não desiste das suas convicções e sabe que ser professor não é isto. E há tão maus mas também tão bons professores.
Mas hoje a bitola deixou de ser essa. Hoje os bons não se destacam dos maus. Hoje destacam-se os que lutaram e lutam dos que lutaram e desistiram. Por medo, por cobardia, por comodismo, ou mesmo porque se aproveitam da situação para subir com a queda dos outros.
Hoje foi o dia em que os professores deixaram de coser buracos em mantas a que o ministério já os habituou e começaram a ser participantes na construção dessa manta tão defeituosa, cada vez mais desgastada.
Hoje foi o dia em que, num ambiente escolar aparentemente habitual, notei uma grande diferença. Ninguém falou de carreira docente, de política de educação, da ministra, do primeiro ministro, de objectivos individuais. Assunto tabu, hoje, neste dia.
Ninguém mostrou objectivos a ninguém. Ninguém falou de entrega ou não entrega. Ninguém abriu a boca para falar. Quase todos desempenhavam os papéis esperados no palco da sala de professores, à porta da escola no canto do tabaco. Reinou o silêncio constrangedor, o não saber se falar ou não no assunto. Reinaram as conversas de circunstância. Ninguém falou de "escola", da escola que a todos cada vez mais dói, onde cada vez menos gostam de estar.
Ironicamente, ou talvez não, aos que hoje entregaram os objectivos individuais, um muito obrigado.
Obrigado por mostrarem que, na hora "h", são cordeirinhos.
Obrigado por fazerem a ministra e o primeiro ministro sorrir.
Obrigado por mostrarem que, mais uma vez, somos uma classe dividida.
Obrigado por tão bem contribuírem para essa divisão.
Obrigado pelos valores profissionais e de cidadania que demostraram ter.
Obrigado por usufruirem de um venenoso direito que não faz sentido.
Obrigado por aderirem ao clube dos Miluzinhos e Socretinos.
Obrigado por mostrarem que, mais uma vez, os portugueses são portuguesinhos, pequeninos e fracos.
Obrigado por, no limite, apenas se importarem com os vossos umbigos, preterindo a união.
Obrigado por cimentarem mais ainda a opinião que tenho desta classe e deste país. Opinião que também terão mas que nada fazem em contrário.
Espero que hoje durmam bem. Espero que amanhã peguem convictamente num livro de ponto. Espero que amanhã saibam olhar para os colegas. Espero que amanhã entrem de cabeça erguida na escola.
Espero não vê-los em mais nenhuma manifestação.
Espero que não mais façam greve e quando elas existam, façam o favor, comecem a ser coerentes e vão trabalhar. Afinal, é para isso que vos pagam. Para obedecer. Para serem muito bons, excelentes e obedientes professores.
Hoje foi o dia em que alguns, talvez muitos, se sentiram, entre outras coisas, tristes, muito tristes.
Hoje foi o dia em que outros, com um triste papel na mão, se inscreveram no clube dos Miluzinhos e Socretinos.
Hoje já atingiram um grande objectivo individual.

6 comentários:

Anónimo disse...

Não consigo entender completa/ o que se passa na questão da educação, sei q são muitas coisas e q estão mal mas a comunicação social tb n informa convenientemente é uma verdade.
Acho q os professores devem ser avaliados, claro q sim e nem me parece q eles proprios n queiram ser em geral. Mas pelo q tenho percebido do q vou ouvindo e lendo esta avaliação n faz mm nenhum sentido.
Parece-me q a ministra e o sócrates n cedem mm por teimosia ou então acham mm q esta avaliação é bem feita.
Será q milhares de professores estão enganados? Ao menos deviam pensar nisso.
É pena que os profs tenham andado a manifestar-se, a fazer greves e a lutar e agora haja uns q estão a encolher o rabo e a alegrar a ministra. É sempre a mm coisa e acredita q n é só no ensino, é em mtas outras profissões e situações da vida.
Acima de tudo o q eu acho é q tu tens tomates, sim senhor. Arriscas-te a ser prejudicado e ainda assim vais em frente. Muito bem.
Um grande abraço de força para ti para os professores q n desistem.

João Roque disse...

Independentemente de ideologias, tomadas de posição, crenças, simpatias ou antipatias,convicções e tantas outras coisas, há uma coisa que eu admiro muito num Homem: COERÊNCIA!!!!!
Abraço.

Anónimo disse...

Eu mera contratada tenho mesmo que entregar os objectivos mas sabes que a minha situação é diferente, não sabes?
Mas entendo muito bem o que queres dizer e honestamente tocou-me muito este texto.

DEVIAS IMPRIMI-LO E EXPOR NA TUA ESCOLA E DIVULGÁ-LO POR EMAIL AO MAIOR NÚMERO DE PESSOAS POSSÍVEL.

Posso imprimir e expôr na minha? Isto tem que ser divulgado! Posso? Posso?

Anónimo disse...

O pior disso tudo é que também foi o dia em que deixei de acreditar nesta classe por completo e que, assumidamente me envergonho de a ela pertencer. Sinto vergonha, aliás ... deixa-me corrigir, sinto nojo de pertencer a esta classe de vendidos. A partir de agora os professores não têm mais direito a queixar-se, baixaram os braços, dividiram-se e já não vão unir esforços. O elevado valor humano de uns passou a representar o aproveitamento de outros, para mim vermes do professorado, bactérias e fungos, travestidos de professores. Acabou de vez. Este é talvez um dos momentos mais tristes da minha vida, embora não só por isto, claro. A nível profissional, este é o pior momento,antes queria gritar palavras de ordem e impropérios contra toda esta merda, agora, até a vontade de gritar perdi.O meu silêncio dos últimos dias é o sinal claro de que deixei de acreditar em tudo, incluindo os colegas. Sinto-me insensível a tudo e a todos.

Na minha escola o prazo para entrega de objectivos é dia 13 de fevereiro.Já há gente que entregou claro, ou vão entregar e obviamente vão querer aulas assistidas porque, a desistência de uns representa para aqueles, a maior probabilidade de chegar ao Muito Bom ou Excelente, tudo por causa de mais uns tostões de esmolinha ... e ainda falam mal das prostitutas. Os maiores prostíbulos do momento são mesmo as escolas.

Eu não vou entregar objectivos, a não ser que me obriguem de outras formas ou se perceber que vou ficar sozinho neste processo. Vou sustentar esta posição até ao limite do possível. Compreendo os contratados, mas apenas esses.
Sozinho sei que não vou a lado nenhum e também já percebi que nisto estou a ficar cada vez mais sozinho.
As pessoas esquecem-se é que a partir daqui acabou e nunca mais levantarão a cabeça contra tudo isto e que irá piorar ... oh, se vai. No próximo ano verão como este pseudo simplex (de várias páginas e complexos documentos de avaliação), se transformará num hiper complex.

Tenho mesmo vergonha de pertencer a esta classe de nababos.

Não me estou a ver com estofo, nem me sinto preparado psicologicamente para o que aí vem. Honestamente não me estou a ver como presidiário de um sistema em que já deixei de acreditar e que ameaça agravar-se cada vez mais.

Anónimo disse...

Tal como refere a fátima, também gostava de imprimir e colocar na minha escola. Diz-me algo a este respeito se posso ou não, ou se queres que identifique com o teu nome ou não. Diz-me ainda hoje e envia-me por e-mail para eu imprimir. Vá lá ... quero fazer aquela gente sentir-se muito mal. Faço questão ... imprimo com letra de tamanho 16 ou 18 para que vejam bem.

Anónimo disse...

E mais ... vou tomar a liberdade de escrever um post que remete já e imediatamente para este texto ... desculpa mas é obrigatório.

Entretanto ainda não me disseste se posso ou não imprimir o texto ... estou à espera.

Beijos