João/Jeremy

João. 13 anos. O Bobo da corte da turma C do 7º ano. Agora terá, certamente, o mesmo papel no 8º. Capacidades não lhe faltam mas as negativas abundaram durante todo o ano escolar. Prevê-se o mesmo a partir da próxima semana, numa turma que acompanha, sem aproveitamente, para não se perder de vez.
Há 2 anos a mãe deixou-o em casa de uma prima de 25 anos, uma jovem a receber o ordenado mínimo e na esperança de emigrar para uma vida melhor. A mãe disse ao João que ele ficaria com a prima 2 dias porque ela ia passar o fim-de-semana fora. Não voltou no domingo à noite, não voltou na segunda, nem na terça, nem na semana seguinte. 2 dias que se transformaram já em 2 anos. 2 anos a viver na Holanda. 2 anos da vida do João sem a mãe. 2 anos com uma prima que dele cuida mas que vê nele o empecilho para poder saltar para o sonhado estrangeiro. João viu-se sem mãe, a prima sem o sonho.

- Então João, por aqui sozinho? Estás bom?
- Ya stôr. Ninguém quis cá vir comigo, nem sei quando é que vem cá o resto da turma. Sabe se já veio cá alguém ver os horários?
- Hoje de manhã vi aí uns 3 ou 4, mais nada. Não te preocupes, tens tempo de estar com eles todos.
- Pois. E o stôr, as férias foram fixes?
- Foram João, obrigado.
- O stôr este ano vai ser meu stôr?
- Sim. Ainda não viste o horário? Está ali afixado e tem o nome dos professores.
- Vejo depois. O stôr deve estar chateado por isso, né?
- Pelo quê?
- Então... aturar-me outra vez. Pensava que nenhum stôr queria ficar comigo outra vez.
- Oh rapaz, que disparate. Pronto eu aturo-te a ti e tu aturas-me a mim, ora! E em relação aos outros professores o mesmo.
- A sério? O stôr gosta de mim?
- Por que raio não haveria de gostar, rapaz. Tu às vezes és uma pequena peste, sabes bem, mas és bom rapaz e este ano ainda vais ser melhor. João... este ano não te quero com carradas de negativas, ouviste?
- Pois, eu sei. Mas sabe...
- Eu sei João, eu sei. Mas um esforçozinho também é bom. Pode ser?
- Pois.
- E essas férias?
- Foram fixes.
- Ainda bem.
- A minha prima foi para aí uns 15 dias com o namorado para o Algarve e eu fiquei sozinho em casa. Bué fixe, né? A casa só para mim...
- Sozinho, João? Mas...
- Ah, não se preocupe... há noite é que eu ficava um bocado triste sozinho em casa mas ela deixou-me dinheiro e quando acabou ia jantar a casa do Henrique. Comia com eles à mesa e tudo. Com o pai dele, com a mãe...
- Oh João... mas a tua prima não te deixou comer?
- Deixou umas cenas lá no frigorífico e dinheiro. Foi bué da fixe, comprei cenas... gomas, bolos e outras cenas.
- Que cenas, rapaz?
- (riso culpado)
- Mas a tua prima já voltou?
- Ya... e ficou bué lixada só porque eu levei para lá uns rapazes da minha rua. Só se partiram umas coisas e poucas. A minha prima pensa que é minha mãe, olha! Gritou bués comigo e tudo.
- João... e a tua mãe tem telefonado?
- Ah ela agora tá cá em Portugal.
- Está? Ainda bem.
- Ya, desde Junho... acho que tá no Porto.
- E estiveste lá com ela?
- Não, ela tá cá mas não teve tempo para me ver.
- Não?
- Ainda não. Acho que ela tá quase a ir embora outra vez e diz que se tiver tempo deve passar cá para me ver. Quem me dera que ela apanhe o avião em Lisboa porque assim vou ver se vou lá ter ao aeroporto. Gostava era de ir com ela ou que ela ficasse cá.
- ...
- O stôr sabe como é que se vai para o aeroporto? E sabe o preço do comboio?

Para o João e outros como ele:

(Queria aqui colocar o fabuloso video deste tema mas não consegui. Fica uma versão unplugged. Interessa a mensagem.)

(Pearl Jam - Jeremy)

7 comentários:

Anónimo disse...

E quantos "Joões" não exitem por aí sem que nós demos conta. É uma realidade tão triste. Também tenho um ou outro aluno assim com uma vida desgraçada, que eu saiba, porque quantos não haverá mais.
Tu tens sempre um jeito especial para estes miúdos, sempre achei e já te disse. Eles procuram-te para os ouvires, para falares com eles, ao jeitinho deles é o que fazem porque precisam de atenção e carinho, sempre com dificuldade em expressarem os seus sentimentos.
Por isso sempre foste um professor especial, uma pessoa excepcional.
O diálogo deu-me pena, a música é daquelas já sobejamente conhecidas e sempre tão boa, tão forte e tão apropriada ao caso. Pena nao teres conseguido pôr aqui o videoclip pq é mm fantástico.

paulo disse...

realmente, quantos Joões não há por aí! mas é triste, muito triste a história do garoto. com que então, a mãe nem tempo tem para vir ver o filho... uau! que orgulho! com pais assim. e famílias assim...

Anónimo disse...

Que raio de mãe é essa que larga assim um filho e qdo volta ao país n tem tempo para ve-lo. Que estupida, sinceramente.

Jeremy é perfeitamente adequado de facto. é forte e triste ao mm tempo e dá q pensar mto.

Will disse...

:(

É triste saber que estamos perante bem mais que o texto de um post...

Anónimo disse...

É por estas e por outras ...

gosto desta música

João Roque disse...

E depois queixamo-nos de uma juventude rebelde e que é levada muitas vezes para a droga e para a prostituição...
A mãe do João não é digna de ser mãe...

Felisberto disse...

este post deixou-me lágrimas nos olhos...acho a profissão de professor a mais bonita do mundo...não só pela beleza de ensinar mas de influenciar uma vida. Os professores muitas vezes não imaginam o quanto uma simples conversa pode fazer...fui muito influenciado pelos meus...hj sou o que sou porque tive dos mesmo bons...e...fez-me lembrar uma das minhas professoras, de quem hj sou amigo intímo, e que me falava dos Joões dela...e houve muitos que ela ajudou...parabéns só por esse gesto...o de ouvir e conversar.