Em tempos quis-me casar. Sonhei como seria o dia, todos os momentos, cada imagem, cada cor, cada textura do cenário montado. E seria lindo, lindo. Emocionava-me só de pensar nisso. E não me entristecia não poder vir a acontecer, fazia-me sentir feliz. Acreditava que um dia o sonho se tornaria realidade. Tinha essa certeza.
Perdi a certeza, perdi o sonho e hoje não me quero casar. Mas gostava de saber que poderia fazê-lo, que tenho esse direito. Não posso e não me parece que o venha a ter tão cedo.
Os anos passam e pouco muda, essa é a verdade. Os gays mostram-se mais, mas muito pouco. Namoram mas fingem que não. Vivem com companheiros mas que são supostos amigos. Assumem quem são mas apenas a alguns. O simples dar de mãos na rua é como que dar um passo para a fogueira. Têm medos, receios, falta de coragem… Entre eles e o resto da sociedade continua a haver uma barreira. Vivem uma espécie de esconde esconde, de submundo, de universo paralelo. Uns vivem bem, outros sobrevivem, uns deixam de viver. A sociedade sabe mas finge que não. Desconfia mas prefere não pensar nisso. As massas arranjam estratagemas para manter as coisas como elas estão, como “são” e como assim “devem continuar a ser”. “Somos desenvolvidos, pertencemos à UE, somos modernos mas não se mostrem muito.” E os homossexuais assim, infelizmente, aprenderam a estar.
Agora quase não se fala de outra coisa que é o casamento homossexual. Fala-se, escreve-se, discute-se, argumenta-se… uma animação. “A paneleiragem quer casar, esta agora, que coisa mais estapafúrdia. Já não basta a vergonha do que são e ainda querem dar o arzinho da sua graça a alterarem uma sociedade que eles envergonham? Era o que faltava! São gente contra-natura e ainda querem casar? O casamento é uma coisa de respeito, algo milenar, a base da sociedade. Maricas a casarem? Andam para aí uns com os outros a enganarem as mulheres, coitadas, a desgraçarem familias, a conspurcarem a moral e bons costumes e agora querem meter-se em algo tão sagrado? Desgraçam casamentos e agora querem eles casar? Paneleiragem de merda!”
É uma animação, uma muito triste animação. Tão triste que me enoja. Sim, enoja-me ao ponto se sentir repugnância e asco por muita coisa que leio, pelo simples facto de mudar de canal e deparar-me com a cara de alguns políticos e comentadores da nossa pracinha tão tacanha.
Uns dizem isto, outros dizem aquilo… Está-se a fazer um problema imenso em torno de algo que nem problema deveria ser.
As pessoas, independentemente de credo, religião, cor de pele, de olhos, altura, sexo, residência, orientação sexual, peso, número de dedos e de dentes, profissão, estilo de vida, situação financeira, comprimento das unhas, personalidade, número de vezes que vão ao wc, o que for, devem ter o direito de casar, usufruir dele se assim o entenderem e ponto final. Usufruir desse direito não é minimizar nem tirar o mesmo direito a ninguém, a quem sempre o teve. Os homossesuais têm muitos medos, mas parece claro que os heterossexuais também os têm.
Um homossexual não é um cidadão de segunda mas, neste país, parece continuar a ser. Leio textos, frases soltas, ouço argumentos e opiniões que na minha mente, nas entrelinhas, se resumem a muita coisa e muita coisa triste.
“Deixem-nos lá estar nos seus cantinhos escondidos, deixem-nos lá por enquanto, um dia logo se vê. Qual é a pressa? É assim tão importante casarem? Escolheram andar com pessoas do mesmo sexo, portanto não queiram agora os mesmos direitos. Querem ser diferentes então não podem ser tratados como iguais!”
Muito por aí se diz, com poses eruditas e politiquices baratas de quem descobriu a pólvora e se preocupa efectivamente com o país, que a sociedade portuguesa está cheia de problemas graves por resolver e que esta questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo não é prioritária.
“Há cada vez mais desemprego, a saúde está como está, o ensino enfim, os idosos que tão mal vivem, a delinquência, os assaltos, os juros, o aumento dos preços, etc… e andamos preocupados com o casamento?”
Meus caríssimos senhores altamente doutos e iluminados e tão preocupados com este rectângulo peninsular, pois é claro que há neste país problemas mais graves, bem mais graves, pura e simplesmente porque ESTE NEM UM PROBLEMA DEVERIA SER SEQUER!
A questão é mesmo essa! Quase tudo neste país está uma lástima e a piorar a olhos vistos, contudo está-se tudo a preocupar com o casamento entre 2 pessoas que, por acaso, são do mesmo sexo? Já nos finais do século XX isso não deveria ser um problema! Que pequenez é esta?
Ser-se gay, gostar-se de alguém do mesmo sexo, alguém que entre as pernas tem o que nós temos, querer-se casar com quem se ama não deveria ser, desde há muito, problema algum, nem prioritário, nem secundário.
Problema é, nos dias que correm, haver homossexuais que, escondendo o que são, casam com heterossexuais. Isso sim é contra natura. Isso sim é abrir portas para o sofrimento de ambas as partes. Mas assim a sociedade, o nosso país, todos ficam mais contentes. As fachadas continuam, os mundos não se misturam, as bases não tremem, os pilares não vacilam, o mar mantém-se calmo.